domingo, 8 de novembro de 2015

TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO

TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO



“Me dê um copo d’água, tenho sede, e esta sede pode me matar” (Gilberto Gil)
Mara Narciso

            O relato abaixo vai nos trazer prejuízos e fuga de capitais, mas o desabafo é imperativo. O norte de Minas está em brasas devido ao calor habitual próximo dos 40º C em suas tardes há dois meses e que nos trouxe noites insones. A demanda por água aumentou, mas não há água. As chuvas regulares sumiram há cinco anos. Os reservatórios secaram, assim como os rios caudalosos de outrora. As árvores brotaram no começo da primavera e os brotos foram torrados pelo calor fervente. Pouco se fala atualmente em lavoura ou gado. Tudo morreu ou foi vendido a qualquer preço para evitar perdas ainda maiores diante da nossa catástrofe.
Somos vítimas e culpados. Desmatamos, poluímos, assoreamos, esgotamos nossas reservas, produzimos gases do efeito estufa (pecuária, fábricas, automóveis). Nosso cerrado foi arrancado pela raiz e arrastado por tratores. Eram meros troncos retorcidos de pequizeiros, umbuzeiros, cagaiteiras, mangabeiras, muricizeiros e outras frutíferas que viraram pó. A vegetação rala foi transformada em ferro guza (carvão vegetal mais minério de ferro), e com ele as metalúrgicas produziram aço para a indústria automobilística.
Sem árvore, sem água. Famílias que, em princípio repudiavam o desmatamento e a produção de carvão vegetal, acabaram sucumbindo ao vil metal. Abraçaram os fornos crematórios de árvores. Estão ricas e com propriedades esfaceladas, de pouco valor. E que possam beber dinheiro. Arrependidas, fazem em vão sua mea culpa.
            Surgiu há anos um movimento em prol dos rios e das águas, Vidas Áridas, que faz um congresso neste fim-de-semana. Revitalizam e protegem nascentes de rios, com a ajuda de órgãos governamentais, também visitam escolas e comunidades educando a população. Não chove e sem isso nada melhora por aqui. Estamos fritos.
As imagens vistas na internet nos fazem acompanhar, boquiabertos – de boca seca, naturalmente -, a nossa real situação. A cada dia o apavoramento se amplia pelo acúmulo de más notícias. O gasto maior de água é das indústrias, lavoura e grandes empresas. O romantismo de “Morte e Vida Severina” sumiu e a sede nos bate a porta. Estamos conscientes e economizando água há um ano. Muitos reduziram o consumo “normal” para a metade, colaborando apavorados, no sentido de autopreservação.
Aqui já não cabem eufemismos como estiagem acumulada, crise hídrica ou remanejamento na distribuição de água. Comunidades foram deslocadas pela seca. Crianças debruçadas sobre pequenos poços sujos estão em nossos quintais. Os flagelados da seca ainda não chegaram às nossas praças devido à Bolsa Família. Na cidade o racionamento oficial começou dia 12 de outubro e alguns bairros não estão recebendo água diariamente. As cisternas e poços artesianos estão em vias de secar.
A Barragem de Juramento, de 1982, da qual vem 70% do abastecimento da cidade de Montes Claros (395 mil habitantes estimados) trabalha com 23% da capacidade e está mais de dez metros abaixo do nível normal. Dos onze poços artesianos perfurados em suas imediações, apenas quatro deram água, e um deles já secou. O volume morto está sendo aspirado a alto custo. O bombeamento de água está sendo feito duas vezes, na captação e distribuição, com gasto de energia elétrica. Não tem água para produzi-la, e assim está caríssima.
Estamos vendo cactos secos, coqueiros e eucaliptos adultos tombando sob o calor. O antes sol em brasa converteu-se em brasas no restinho das nossas matas. A Lapa Grande está novamente em chamas. Três aviões sobrevoam a cidade, tentando apagar o incêndio, como também em busca de mais focos. Os carros-pipa da Copasa - Companhia de Saneamento de Minas Gerais, largaram os bairros de ponta de rede onde são imprescindíveis e se deslocaram para ajudar a combater o fogo. Água de gente beber precisa ser jogada sobre as chamas, pois lá está uma nascente que nos abastece com 30% da água necessária. A Barragem de Porcos-Pacui secou e a Captação de Pai-João está operando com 30% da capacidade.
            O Rio São Francisco, do qual diziam ser uma alternativa para carrear água para Montes Claros está com águas muito baixas, e há lugares com apenas um reles filete em um dos lados. Secaram Rio Verde, Rio Pardo, Rio Jequitai, Rio Saracura, Lagoa do Pentáurea, Lagoa da Barra, Lagoa São João ( em Capitão Enéas ) e muitos outros córregos e riachos.
            O norte de Minas tem chuvas irregulares há muitas décadas e faz parte do Polígono das Secas e da Sudene – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, mas chovia. A mudança climática aconteceu às nossas vistas, em consequência da ação do homem. Agora, sem água e sob forte calor, perecemos.
8 de novembro de 2015

2 comentários:

  1. Ainda que eu traga más noticias, ainda podemos fazer algo para nos salvar: economizar, água, plantar árvores, educar as crianças e os adultos, produzir menos lixo, reduzir o consumismo. Obrigada, Márcia, pela divulgação do meu texto.

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  2. Mara, falou tudo! De quem é a responsabilidade? Nossa. Criticamos, fazemos prece, imploramos a Deus pra mandar chuva e dar um jeito na situação, mas todo dia as indústrias despejam "novidades" no mercado, que são consumidas amplamente e logo descartadas. Ninguém pergunta a origem dos tais produtos e o que foi necessário fazer pra se chegar à tanto avanço. Isso tem um preço. Por outro lado, se as indústrias param, as vagas de emprego também desaparecem. É uma situação caótica. O homem é escravo do que criou. Há meios de se libertar? Pouco provável. A cultura do nosso país é muito estranha, fundamentada na "Lei do Gérson". A base da formação humana é o "egoísmo", que está explícito nas menores ações. Gente "caridosa" na fala ou em mensagens, aplicando no cotidiano atitudes claramente egoístas e mesquinhas que contradizem aquilo que pregam. Observe. Aliás, observar a mente humana é o melhor dos exercícios e sei que você faz isso. O texto está ótimo.
    Abs
    Márcia

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