TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO

TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO

Aguardando o médico

Mara Narciso

O paciente, na hora do exame físico, pode apresentar-se com a pressão alta e o coração acelerado. Notando-se a taquicardia, dá para prever a hipertensão momentânea. Melhor esperar uns minutos, mandar relaxar e respirar fundo. Coisas da adrenalina, do receio de ter uma doença grave, mas, principalmente da espera. Muitos já vivenciaram grandes atrasos de médicos, senhores e senhoras que não costumam respeitar o tempo do outro. O cliente habitual separa duas horas para sua consulta, incluindo os deslocamentos, assim, sente-se agoniado quando a espera ultrapassa o razoável.

Quando há um sintoma persistente, ou se já existe um exame alterado, durante a demora a pessoa cria fantasmas e sente a cabeça explodir. A tensão vai crescendo à medida que o desperdício de tempo se prolonga. Algumas vezes o preparativo vem do dia anterior, quando a pessoa é de outra cidade. A preocupação vem de longe, acumulando tensão.  Os médicos, sabendo disso, deveriam reduzir o atraso, porque pessoas pioram nessas esperas, principalmente os idosos e os humildes. Para estes, sugiro dedicar-lhes o dobro da paciência como compensação.

As desculpas para justificar o atendimento retardatário de várias horas, situação pela qual já passei, são as cirurgias, os partos, as urgências, as idas ao CTI, os imprevistos pessoais, o trânsito, e outros, mas alguns folgados ficam em casa dormindo, ou em banhos demorados, ou brincando na internet.

O habitual é o cliente esperar pelo médico, mas o médico também espera pelo paciente. A pessoa decide consultar, escolhe o profissional, telefona, marca, anota e no dia não aparece. É comum o horário ficar vago. Por sua vez, o médico, ainda que não consiga prever o tempo exato de cada consulta, calcula uma média para a primeira vez e outra para um controle de tratamento, que são demoras diferentes.

Cada especialidade tem o seu assunto e o seu ritmo. Há consulta que gasta o dobro do tempo, um fato imprevisível. É necessária habilidade para finalizar e não invadir o tempo do próximo. Há profissional que atende por hora marcada, outro por ordem de chegada e ainda outro pela ordem da agenda, coisa cômoda para o médico, mas para quem aguarda um diagnóstico são muito ruins as duas últimas alternativas.

Há médico que demora tanto para chegar que, quando aparece, mesmo que haja muitos pacientes na sua frente, traz alívio. Pelo menos o serviço vai começar. Porém, o médico pode ir fazer laudos, relatórios, telefonar, receber representantes, tomar café, resolver problemas pessoais ou do consultório. Nesses casos a aflição atinge seu nível máximo, porque o profissional atrasado chegou, mas não começa o atendimento. Quando isso acontece, não é possível fazer nada, nem mesmo pensar. A televisão é ignorada, o livro fica no fundo da bolsa, e o celular jaz largado como objeto inútil. Nada será capaz de relaxar essa alma torturada, que acaba por expor o lado frágil da sua humanidade.

A relação médico-paciente, que inclui confiança e responsabilidade, é um binômio onde a empatia tem papel principal. Esta relação, sendo boa, será capaz de superar problemas, caso aconteçam. Pessoas abusadas usam o celular durante a consulta; atendem telefonema, telefonam, e até escrevem mensagens durante a explicação do médico sobre o diagnóstico ou o tratamento. Caso o profissional comente essa atitude, o cliente o considerará errado. Irá embora, não voltará mais e ainda falará mal do profissional.

Como médica endocrinologista há 40 anos e paciente de inúmeras doenças que precisam ser controladas periodicamente, conheço a fundo os dois lados do balcão. Espero com sofrida frequência, pois faço psicanálise a cada 15 dias, há 18 anos e, para minimizar, levo livros aos consultórios. É difícil eu ficar por mais de uma semana sem consultar um médico. Na última quinta-feira, por exemplo, fui a duas consultas. Em cada uma delas esperei por mais de uma hora, e estive lá dentro por menos de dez minutos. Agradeço pelos problemas resolvidos, mas lamento o tempo perdido.

Eu posso deixar esperar, mas é uma espera relativamente curta. É preciso maior empenho para reduzir o tempo de espera em meu consultório, como também não posso atropelar o momento de ninguém. Naquele período da consulta, quem está lá dentro é o único dono do meu tempo e da minha atenção.

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