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Único remanescente da expedição de Guimarães Rosa pelo sertão relembra histórias

Aos 80 anos, Criolo rememora viagem de 1952, e fala sobre a recusa do escritor em abandonar o percurso com a boiada, além de seus dias de treinamento na fazenda para aprender a montar 

 Mariana Peixoto - EM Cultura Publicação:04/08/2015 08:40Atualização:04/08/2015 08:41

 

 Primos de segundo grau, Joãozito e Chico mal se conheciam. Enquanto um tinha deixado o interior, o outro passava a vida entre suas fazendas no sertão mineiro. Mas um jipe ano 1951 acabou unindo-os. Chico pediu a Joãozito, influente na capital federal, que liberasse na alfândega o recém-comprado veículo importado. E a história de Joãozito e Chico nunca mais foi a mesma.

Há pouco chegado de uma temporada em Paris, João Guimarães Rosa – na família conhecido como o Joãozito, filho de Chiquitita – era, naquele início de 1952, chefe de gabinete do então ministro das Relações Exteriores João Neves da Fontoura.
A família Guimarães, por sinal, era pródiga em Franciscos. Chico, na verdade Francisco Guimarães Moreira, era filho de Chiquinha, tia da mãe de Guimarães Rosa, a já citada Chiquitita. Um favor leva a outro e, depois desse primeiro contato no Rio de Janeiro, Guimarães pediu a Chico que lhe apresentasse o sertão.

Foi assim que, entre 17 e 26 de maio de 1952, Guimarães Rosa empreendeu sua célebre expedição pelo sertão. A viagem inspiraria 'Corpo de baile', lançado no início de 1956, meses antes de sua obra-prima, 'Grande sertão: veredas', ser publicada.

Ao longo dos 241 quilômetros que dividem as fazendas Sirga (em Três Marias) e São Francisco (em Araçaí, nas proximidades de Sete Lagoas), Guimarães Rosa conheceu e conviveu com Manuelzão (o capataz), Zito (o guieiro e cozinheiro), Bindóia (o tocador de berrante), Tião Leite, Gregório, Santana e Pedro Baiano. Com os boiadeiros, transportou 180 cabeças de gado.

Todos os personagens desta história já morreram, à exceção de um. Chico Moreira não acompanhou o primo sozinho. Levou consigo o filho caçula, de nome também Francisco, um garoto que, aos 17 anos, sabia manejar uma boiada. Tinha sido inclusive cozinheiro e capataz de uma viagem. Era o sétimo filho de Chico, um garoto muito branco, loiro, de olhos verdes. Tão branco que chegava a incomodar a mãe, que chamava o menino, desde pequeno, quando o aninhava, de meu “preto, criolinho”, para ver se ele pegava uma cor.

Desta maneira, Francisco Guimarães Moreira Filho virou Criolo. E para toda a vida. Ainda hoje, aos 80 anos, ele só gosta de ser chamado pelo apelido. Se alguém chegar a Sete Lagoas perguntando por Francisco, ninguém vai saber quem é.

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PASSADO

Única testemunha viva da expedição, Criolo sabe reverenciar o passado. Guarda todas as imagens da época, reproduções das fotografias que Eugênio Silva fez para a revista O Cruzeiro no final da viagem. E fala da aventura como se fosse ontem.

“Guimarães Rosa falou com papai: ‘Eu escrevo, mas não vejo. Quero sentir de perto a boiada, tenho vontade de conhecer o sertão’”, conta Criolo. Chico Moreira preparou o terreno para a chegada do primo. Que chegou a Araçaí de trem de ferro. Chico e Criolo pegaram Guimarães, o levaram no tal jipe 51 para a Fazenda São Francisco e lá pernoitaram. No dia seguinte, rumaram, ainda de jipe, para a Sirga.

“Lá ele andou a cavalo uns dias para poder treinar. Ele não sabia montar”, relembra Criolo. Mas pegou o jeito rapidinho. Após o treinamento, o grupo de vaqueiros, mais Chico, Criolo e Guimarães Rosa, fez a saída da boiada, que não era uma coisa nada fácil.

Guimarães Rosa seguiu viagem com os vaqueiros, enquanto Chico e Criolo foram cuidar da vida. A viagem pelo sertão estava prevista para durar 10 dias. O dono da boiada, temeroso do que pudesse ocorrer com o primo da cidade, resolveu buscá-lo mais cedo. “Vamos encontrar com eles em Andrequicé, porque Guimarães Rosa não vai dar conta de ir a cavalo. Ele já conheceu o sertão, lidou com peão, a vontade que ele queria foi feita. Pode ir embora de carro com a gente”, foi o que o dono da boiada disse ao filho.

Porém, ao encontrar o grupo, Chico Moreira levou um redondo não de Guimarães Rosa. “Ele disse para papai que não iria embora de jeito nenhum, que queria ir a cavalo até o fim”, relata Criolo. Vontade feita, Chico e o filho saíram a cavalo de madrugada, se reuniram com o grupo e fizeram todo o caminho de volta até a Fazenda São Francisco.

Foi na parte final da viagem que eles se encontraram com a equipe d’O Cruzeiro (além de Eugênio Silva, estava o repórter Álvares da Silva). Lá em São Francisco, Criolo relembra, o fotógrafo pediu que o grupo remontasse o acampamento que havia feito durante a viagem. Também fez a imagem em frente ao curral, com o escritor, Chico Moreira, Criolo e os boiadeiros enfileirados.

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