Santa Casa descumpre
acordo e paciente morre, depois de esperar 4h por atendimento
Texto e Fotos: Márcia Vieira
De Engenheiro Dolabela
RICARDO FERNANDO, com a foto do pai, VALDIR OLIVEIRA (de bermuda vermelha)- Foto Márcia Vieira |
O final de semana de 09 e 10 de novembro já está marcado na memória da família Oliveira, de Engenheiro Dolabela. Infelizmente não por uma notícia boa. A saga da família começou há cerca de três dias, quando o patriarca Valdir Oliveira, lavrador de 58 anos foi internado em conseqüência de um problema renal.
Inicialmente
em Bocaiúva, município a que pertence o distrito de Dolabela. Com a necessidade
de se recorrer a outros procedimentos que poderiam salvar a sua vida, os
médicos recorreram a hospital de Montes Claros pedindo uma internação. No
sábado, a família deslocou-se numa ambulância acompanhando o seu Valdir. Ao
chegar à Montes Claros, uma surpresa: a Santa Casa não disponibilizava o leito
pretendido pelo paciente, mesmo mediante documentação que comprovava a
autorização para transferência.
Entre
15h e 19h, a família buscou uma solução, mas não obteve retorno. Ricardo
Fernando Oliveira, filho do paciente é quem conta: “moro em Montes Claros.
Cheguei ao hospital às 16h e meu pai estava desde às 15h
dentro da ambulância na porta da Santa Casa, sem conseguir atendimento. Estava
numa situação de dar dó. Fui buscar uma resposta e eles me disseram que foi um
erro do sistema. Que haviam negado a vaga e não havia ali um clínico e nem o
leito. Mostrei o documento onde havia a autorização de transferência e a pessoa que me atendeu simplesmente disse
que não tinha culpa, que a vaga não existia”.
Ricardo
ainda argumentou: “já que não tem clínico e não tem vaga, vocês poderiam chamar
alguém pra olhar o meu pai e ver qual a situação, se ele pode voltar a
Bocaiúva”. Sem resposta, o filho do Sr. Valdir decidiu procurar os seus
direitos. Chamou a polícia e registrou um BO. Em seguida, uma emissora de TV
esteve no local e registrou o fato. Apesar disso, a solução só chegou quando
uma pessoa da Prefeitura intercedeu e conseguiu a internação, por volta das
19h.
A
partir deste instante, segundo conta Ricardo, um enfermeiro da hemodiálise se
manifestou e disse que havia um clínico no local, porém a internação só
aconteceria se houvesse vaga no pronto socorro. “Antes me disseram que não
tinha o clínico. Depois quando encontrei um clínico não tinha a vaga. Caso o
médico se responsabilizasse, entrariam com o meu pai por outro setor e não pelo
pronto socorro. Ficou essa novela até que eu supliquei: ‘gente, eu poderia
voltar com o meu pai, mas eu só queria que
saísse alguém daí de dentro,olhasse pra ele e me falasse qual é o estado
em que ele se encontra’, disse o filho já em desespero.
Muito
tempo depois um cardiologista atendeu o Sr. Valdir, que faleceu após três
paradas cardíacas, às 2h de domingo. O filho ainda inconformado com o que
considerou descaso, declarou: “isso me causa revolta. É desumano. Não pode
acontecer. A pessoa precisando de ajuda e os profissionais que podem servir se
recusam a servir”.
Embora
não tenha encontrado solidariedade, tampouco profissionalismo e ordem dentro de
um estabelecimento que está envolvido em pendenga jurídica por não cumprir o
que pactua, a atitude de Ricardo foi
inversa ao que recebeu. Decidiu, ao lado da mãe, doar as córneas do Sr. Valdir:
“meu pai sempre fazia o bem. Ele ficaria feliz em poder ajudar a alguém”.
Conta
o filho que em outra ocasião, em meados do ano de 2013, Sr. Valdir já havia
precisado do hospital. Ao entrar na mesma Santa Casa, foi encaminhado para
internação no HU. Os médicos do HU se perguntavam porque a Santa Casa não teria
internado lá mesmo o paciente. A resposta que Ricardo encontrou deixa cair por
terra o mito, construído e propagado durante anos de que o hospital acorreria
aos mais necessitados: “disseram que não havia leito. Com certeza, se fosse
particular haveria a vaga”.
Ricardo
faz um desabafo emocionado: “foi doloroso ver o meu por mais de quatro horas,
sentindo-se mal dentro de uma ambulância na porta do hospital. O desgaste é
muito grande. Se tivesse dinheiro não sei se teria salvado a vida do meu pai,
mas ao menos teria amenizado seu sofrimento. A saúde pública tem que mudar.
Porque deixar morrer pessoas pra ver o que está acontecendo? Se soubesse que passaria por isso, teria
ficado em Bocaiúva porque aqui ele estaria ao lado da família. Peço às pessoas
que não se calem, não deixem de expressar a sua dor. Se um dia eu precisar de
um hospital, vou tirar dinheiro de onde não tenho, porque na saúde pública não
confio mais!”