Isaias: no princípio era o caos
Isaías Caldeira *
Tardo,
mas não falto. Dizem que depois que tentaram me processar, criminal e
administrativamente, por artigos que escrevi aqui, sob acusação de crimes
contra a honra ( ? ) - embora nunca tenha nominado em meus textos as pretensas
vítimas, até porque as conheço “en passant” e nem as tenho como dignas de
citação - teria deixado o ofício da opinião escrita, premido pelo medo comum
nacional de afrontar esses que, sem prestar contas a ninguém, arvoraram-se em
polícia universal e a todos intimidam, inocentes e culpados.
Não! Abjuro tais
maledicências. Sim, fui o primeiro a denunciar o “ monstro” que emergia, no
mesmo formato de sempre,com o mesmo discurso , neste devir histórico, que nos
obriga ao eterno retorno ou ao pêndulo de Tocqueville, onde a prostituta das
construções sofistas, a tal moralidade pública, em permanente cornucópia com
todos os governos, em todos os tempos, empala alguns em praça pública, sob
ovação da massa ignara e de aproveitadores políticos, e tem aí sua epifania.
Agora, agindo como “ justiceiros” oficiais, desgraçadamente amparados em um “
cumpra-se “ de algum juiz infenso aos rigores ínsitos ao devido processo legal
, nada e nem ninguém os intimida, nem um Ministro do Supremo, pois não hesitam
em críticas ácidas e mesmo mal-educadas às decisões proferidas pela Instância
Superior do Judiciário. Tomam a história de assalto, e não podendo incriminar
judeus, como outros já fizeram em passado recente, elegem a classe política
como alvo, não aleatoriamente, mas de caso pensado, com um “pogrom" a ser
cumprido, onde o extermínio moral tomou o lugar da morte física, sem deixar de
ser horroroso e infame.
Sim, também fui o primeiro a denunciar a tal “ condução
coercitiva” de quem nunca se recusou a comparecer perante autoridade. Como juiz
criminal por mais de 10 anos, nenhum Promotor ou Delegado teve meu amparo a tal
ignomínia jurídica, pois sem qualquer previsão no Código de Processo Penal.
Entendo, data venia, que diante de tal ilegalidade, todo o processo deveria ser
anulado, mesmo ao custo de se absolverem criminosos confessos e seus séquitos,
pois o que se busca preservar é maior que o mal porventura feito e não punido -
a garantia do processo amparado na lei, sob pena de qualquer casa ser assaltada
por agentes estatais, fortemente armados, encapuzados, para levar um pai de
família inofensivo à Autoridade, sem que ele saiba sequer de qual crime é
acusado, sob regozijo da turba.
É o que temos visto país afora. Nunca faltam
aplausos quando a guilhotina é acionada na casa do vizinho. Nem no regime
militar vi coisas assim. Quando alguém era retirado de sua casa, e foram
raros, geralmente pessoas envolvidas na luta armada, isso era feito de forma
clandestina, sem o conhecimento ou aprovação das instâncias superiores de
poder. O Presidente Geisel pôs termo a esses atos, exonerando generais e outras
autoridades que praticavam ou toleravam esses abusos. Basta comparar o número
de mortos e desaparecidos nos governos militares do Brasil com os governos
Chileno, Argentino e Uruguaio, estas, sim, ditaduras cruéis. Pouco mais de uma
centena aqui. Milhares lá. Claro, não faço defesa daqueles atos dos nacionais,
como não defendo os atos de hoje. Tudo igual e infame. A diferença é que hoje
tem a chancela institucional, o que é trágico. Quando as instituições
patrocinam ou autorizam a barbárie, é sinal que a democracia claudica, e que um
tempo de desesperança e medo permeia o vento que se avizinha.
Sim, a história é
pendular, nunca um evoluir permanente. Pessoas sempre estarão na busca de um “
déjà vu”, repetindo a história, mesmo ignorantes disso, pois poucos se ocupam
do passado, e cada nova geração acredita que a civilização começa com ela.
Enfim, agora outros se ocupam em dizer o que já verbalizei há anos neste
espaço, não estou mais sozinho. As reações começam, partindo de pessoas que não
querem mais violações das garantias Constitucionais e que têm instrumentos e
poder para retirá-las do cotidiano nacional, acabando com o dantesco espetáculo
das execrações públicas. Já era tempo. Aos protagonistas das cenas lamentáveis,
que jactavam-se de seus feitos nas redes sociais e na mídia em geral, os
aplausos diminuem. Logo os excessos serão postos na balança, e por causa deles,
se a história repetir-se, como é de sua natureza, serão execrados, da mesma
forma como fizeram a tantos nessas condenações prévias e sem processos, que
foram a marca destes tempos.
Não lhes desejo o final do “ Duce” ou do” Furher”:
seus cabedais são poucos, míseros arlequins animando a pantomima, e seus atos
não passam de um traço no livro da História, embora acreditem, como os bobos da
corte, que o reino não prescinda deles. A eles, ao final,tenho certeza, um
epitáfio lhes prestará a última homenagem em seus túmulos: vanitas finis.
* Isaias
Caldeira é Juiz de Direito em Montes Claros