TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO
Corram, a casa pode explodir!
Mara Narciso
A maioria das casas tem seus botijões de
gás trocados pelas distribuidoras na hora em que acabam, e o gás findado na
hora do almoço (claro, o gás desligado não acaba), deixa as famílias esperando
com fome. A maioria usa o botijão de 13 kg, que contém propano (chama azul,
queima primeiro) e butano (chama amarela, queima por último), sendo 85% na
forma líquida -por ser colocado no botijão sob pressão- e 15% na forma gasosa.
Não se deve deitar o botijão, pois a forma líquida que fica na parte de baixo
pode causar acidentes graves. Muitas vezes vi Milena, a minha mãe, usar álcool
e fogo dentro de tampa de leite em pó sobre a trempe para terminar o almoço.
Eram comuns leves vazamentos, verificados com bolhas de sabão, sendo preciso
retirar a válvula e recolocá-la, pois a espiral da rosca do botijão (ou bujão)
poderia estar em desacordo com a rosca da válvula do fogão. Essa providência
resolvia quase todos os casos.
Quando menina, presenciei um incêndio em
um depósito de gás no centro da cidade. Os botijões subiam como foguetes e eram
vistos de longe. Uma vez houve um vazamento de gás na cozinha de minha mãe,
durante a noite, e quando Du, a cozinheira, acionou o interruptor de luz houve
uma explosão, que por pouco não a matou.
Há doze anos, numa noite de sábado, meu
então marido trocava o gás, quando, ao puxar o novo botijão para o lugar, um
desnível no chão fez o artefato tombar, bater na parede e romper o cano abaixo
do regulador de pressão e acima da borboleta. O gás saiu em borbotões na forma
líquida, como um repuxo. Estava dentro da cozinha, com vários aparelhos
ligados, então, após empurrar o botijão parcialmente para a área externa,
corremos ele, meu filho e eu para fora, e de lá ligamos para o Corpo de
Bombeiros que orientou desligar o relógio de luz (estava inviolável e tivemos
de arrombá-lo com uma faca do vizinho) e ficar na rua até o gás acabar. Depois
chegaram paramentados os soldados do fogo. O botijão, que ainda vazava, foi
colocado para fora da casa. Quando acabou, abrimos tudo para arejar e dissipar
o gás mais rápido. O local estava irrespirável. Ligamos ventiladores, mas a
casa ficou impregnada por muitas horas. Na verdade, o gás de cozinha é inodoro,
mas por ser venenoso, recebe componentes a base de enxofre para que sirva de
alerta nos vazamentos.
Novembro de 2016: depois de meio dia e
meia, a cozinheira precisou trocar o gás, e na troca surgiu um vazamento. Geny
retirou e tentou recolocar a válvula, mas aconteceu uma súbita e imensa saída
de gás, às golfadas, como uma água saindo da mangueira, o que a fez soltar um
grito de pavor. Chamei a todos e saímos correndo, ela, meu filho e eu,
desligando tudo e indo para fora. (Soube depois que só se deve desligar a chave
geral se ela estiver do lado de fora da casa, e não se podem ligar
ventiladores, durante o vazamento). Avisamos os vizinhos laterais. Alguns
saíram com as crianças. Do outro lado da rua sentíamos o cheiro e ouvíamos o
chiado característico.
O gás doméstico é mortal, explosivo e
inflamável diante de qualquer fagulha, por isso não se deve usar nada metálico
para bater e apertar a borboleta. O Corpo de Bombeiros disse que só viria caso
pegasse fogo. Quando reduziu o barulho e o gás estava no fim (quase duas
horas), chamamos o fornecedor que trocou o botijão, pegou o que veio com
problema, cuja cor azul estava branca, coberta com uma carapaça de gelo e
ensinou que, se acontecer um grande vazamento, como foi o caso, é preciso ter
calma, enfiar uma chave de fendas no buraco do botijão, girar duas vezes para
acionar a válvula de segurança, e parar o vazamento.
Voltamos, ventilamos a casa, esperamos o
almoço, e tivemos um final feliz, porém contaminamos a atmosfera, mais uma vez.
Poucos conseguirão ter sangue frio para tentar parar a saída do gás. Não será o
meu caso.
26 de novembro de 2016