No Brasil de 2015, fala-se da influência da mídia nas escolhas dos
brasileiros. Os pensamentos andam uniformizados em argumentos frágeis num
discurso pronto. Leiam “Vai, Brasil” da jornalista portuguesa Alexandra Lucas
Coelho, correspondente de guerra em conflitos no Oriente Médio e Ásia Central.
Fez Teatro e Comunicação, escreveu romances e livros de viagem, e, morando no
Rio de Janeiro de 2010
a 2014, onde fez seu quartel general, de lá partiu para
uma agenda corajosa. Passeia por lugares onde o brasileiro não foi, narra com
isenção como é o Brasil que pouca gente conhece, numa escrita portuguesa, pela
qual é criticada por adotar o acordo ortográfico como também questionada por não
adotá-lo.
Numa maneira
peculiar de pensar, o quadro pintado com palavras, quase um filme, é fruto do
seu talento de repórter que se joga dentro da ação, que não tem medo dela, que
se infiltra, assume o risco, se afunda, e leva os leitores no mergulho.
Entrevistando, mas valendo-se essencialmente da pesquisa etnográfica, cuja
habilidade surpreende o mais hábil observador, sem nenhum preconceito, pois não
estranha e nem julga nada, mostra a realidade das coisas. Assim, enfia o pé no
barro para falar como é a lama. Uma não crente se entrega, e para entender
seitas que usam chá alucinógeno, participa e toma a infusão. Evita falar de si,
vive experiências, mexe e remexe cada palmo, cada pedra, traz gostosas
descrições do comportamento humano, enquanto toma posições universais.
Assiste a
posse de Dilma Rousseff, vê Lula discursar
em São Bernardo , e tem
contato com os Black Blocs. Cita brasileiros ilustres com a propriedade de quem
ouve Caetano Veloso desde menina - ela tem 48 anos-, repete versos de Chico
Buarque, relembra Nara Leão, remonta a aparição de Maria Bethânia e seu Carcará.
Conta sobre Nelson Rodrigues, Paulinho da Viola (o homem mais zen do planeta),
Nelson Cavaquinho e outros. Explica como são as UPPs (Unidade de Polícia
Pacificadora), menciona o sumiço do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza,
visita a Rocinha, os Arcos da Lapa, a Mangueira, participa de rodas de samba, de
celebração de umbanda, desfila em escola de samba, vai à praia. Vê show de Gal
Costa e outros, anda a pé e de táxi. Mete-se em qualquer beco e em qualquer
madrugada. Entra num casamento no Copacabana Palace, participa de festas na
comunidade, vai a bailes funk e vê o comportamento sexual.
Vai a São
Paulo e explica a paulicéia desvairada de Oswald de Andrade, a cracolândia, por
onde passeia e fala da ação da prefeitura que “saneia” a área. Vê o tráfico de
drogas, os usuários, as favelas, as roupas, e explica, entre outros costumes, as
depilações íntimas. Conta dos deslizamentos de terra na região de Teresópolis.
Participa das buscas, hospedando-se num convento. Viaja a Minas, visita Ouro
Preto. Senta-se sobre jornais nas pedras da Praça Tiradentes, numa manifestação
cultural. Explica a história, personagens e monumentos. Belisca os colonizadores
e fala dos lamentos dos colonizados.
Não visita a Bahia, mas sobe ao nordeste. Detém-se em Pernambuco, que
ocupa páginas com sua fervura cultural, que energiza o país. Comenta o cinema de
lá. Menciona Glauber Rocha. Pelo sul visita Curitiba, e namora de longe o
eremita Dalton Trevisan, do qual compra livros
autografados.
Passando por Paraty, fala mais mal do que bem. Reclama do calçamento e da
dificuldade de as pessoas comuns assistirem a FLIP, Festa Literária
Internacional de Paraty. Não precisa agradar, então pode mostrar, na visita do
Papa Francisco, a multidão acampada nas ruas de Copacabana, enfrentando filas de
hora e meia para usar o banheiro químico, assim como pode falar mal de algo que
nos seja caro. Não há problema em elogiar as comidas, citar fatos e pessoas
(algumas com nomes falsos).
Empolga-se na
sua ida a região norte, num passeio ao Pará e à Ilha de Marajó. Um naufrágio
levou os búfalos para lá. As comidas paraenses dão salivação farta. Explica as
cerâmicas marajoaras e as suas origens, assim como o nome Alter do Chão, uma
denominação portuguesa. Aborda as questões indígenas, a florestas, os rios, cita
Marina Silva, Chico Mendes, Darcy Ribeiro, analisando as questões sociais e
ambientais. Vai de Belém a Manaus num camarote, em cinco dias de barco e depois
vai a São Miguel da Cachoeira, em rede, no convés, convivendo com o povo,
material de suas análises. O Teatro Municipal de Manaus é detalhadamente
descrito, tornando-se urgente visitá-lo.
Explica o poder da família Sarney no Maranhão, anda por sua decadência e
critica o abandono de parte da histórica São Luís, a cidade mais portuguesa do
Brasil. Encanta-se com os Lençóis Maranhenses, entra no Centro de Lançamento de
Foguetes de Alcântara, próximo a São Luís, e explica o que é, como é e porque é.
Alexandra
Lucas Coelho anota manifestações contra a Copa e em 2014 diz que se mudaria para
o Brasil, caso pudesse. Quem quiser ver o país por olhos estrangeiros imparciais
e contraditoriamente apaixonados, visite “Vai, Brasil”, nome irônico para um
almanaque sobre o país do futuro, um lugar onde os preços são europeus e o
salário mínimo.
13 de agosto de
2015