FLAGRANTE: ABUSO DE AUTORIDADE
LEI - IGUAL PARA TODOS?
POLÍCIA FEDERAL ESTACIONA EM LOCAL PROIBIDO. AO SER ABORDADO, AGENTE DIZ QUE ESTÁ “FAZENDO FAVOR”.
O princípio jurídico de que “todos são iguais perante a lei”, está exposto na constituição de 1988. Mas somos levados a crer que vivemos atualmente subordinados à derivação deste princípio, imposta forçosamente pelos homens: “alguns são mais iguais!”.
Nesta segunda-feira, nos deparamos com uma cena de desrespeito numa das ruas mais movimentadas de Montes Claros. E os autores são exatamente aqueles que deveriam dar exemplo e cumprir as regras elementares de civilidade.
A Rua D. Pedro II, muito estreita e que abriga um comércio efervescente, foi tomada por carros oficiais da Polícia Federal. Estacionados em cima do passeio desde a noite de ontem, domingo, os carros são conduzidos por agentes que cumprem mandados em Montes Claros e região, parte de mais uma operação espetáculo do referido órgão.
Nenhum mandado, entretanto, cumpre-se naquela rua. Os carros estacionados atendem ao entra e sai de agentes, que hospedados no hotel, não se deram ao trabalho de utilizar os estacionamentos próximos. Onde e como estão, infringem o código de trânsito, impedem a passagem de carros maiores e obstruem especialmente as calçadas, que são destinadas ao vai e vem de pedestres.
Um carro de passeio na cor prata, com placa de Belo Horizonte, completava a frota federal de possantes carros pretos, onde se lia o nome da instituição em letras garrafais. Em horário de pico, entre 12 e 14h, mulheres com crianças no colo e anciãos disputavam espaço com os veículos estacionados sobre o passeio. Um dos agentes ao perceber que estava sendo fotografado foi até o carro. Neste momento, ao ser questionado sobre a irregularidade por um cidadão que tentava passar no pouco espaço, disparou: “nós estamos aqui fazendo um favor pra vocês!”
Exaltado e nervoso diante do flagrante, pediu aos outros oficiais que retirassem os veículos. Uma mulher saiu do hotel e entrou no carro de passeio. O agente ligou o carro e ao passar pela fotógrafa, gritou: “quer que eu tire a roupa pra você me fotografar?”
Fomos chamados ao local por um cidadão indignado que trabalha nas proximidades. Fizemos apenas o que faríamos em qualquer situação semelhante, independentemente do infrator ser ou não uma “autoridade”. Consideramos que a lei, é sim, igual para todos. Repudiamos a atitude do oficial, que, despreparado, ofendia aos que questionavam o uso do espaço público por carros oficiais.
Apreciamos pessoas que cumprem o seu ofício, desde que respeitadas as normas e os direitos do cidadão. Só lamentamos que um órgão que se apresenta como defensor dos direitos do cidadão, responsável pela “apuração de ilícitos penais praticados em detrimentos de bens, serviços ou interesses da União”, admita em seus quadros membros que pratiquem infrações de trânsito, atuem contra os cidadãos, desrespeitando-os publicamente e abusem da autoridade que lhes é parcial, e não ilimitadamente conferida, ao contrário do que pretendem fazer crer.
Não é justo cercear o direito dos transeuntes, impedir que muitos cheguem a tempo em pontos de ônibus ou atrasados em seus serviços. A maioria não tem como arcar com os custos altos de um almoço em restaurante de hotel classe A, como aquele em que os agentes estão hospedados, e os patrões trabalham muito para manter abertas as portas do seu comércio. Pagam impostos e alugueis nada módicos por um espaço em rua central. Precisam de gente circulando. Gente circula pela calçada, mas se ela estiver ocupada pelos carros, essa gente terá que utilizar a rua. Um risco desnecessário, se os homens da lei, também fizessem uso dela no cotidiano.
Ao oficial em questão, aquele que sugeriu se desvestir para que eu o fotografasse, deixamos ainda uma singela mensagem: “Não meu caro, vocês não estão aqui nos fazendo um favor. Vocês estão aqui trabalhando e são bem remunerados para exercer o ofício. Hospedam-se em bons hotéis, circulam em bons carros e tudo por conta de verbas públicas. Não é favor, nem troca. O mínimo que nós, cidadãos, queremos de vocês é que deixem o espaço livre para circulação de pedestres. O passeio é para pedestres, não para veículos. Os estacionamentos existem para isso e exatamente naquela região estão distribuídos aos montes, com vagas para veículos de duas ou quatro rodas. Basta escolher onde deixar o seu carro. E pagar, pois “todos são iguais perante a lei”. Especialmente no horário de almoço, o atendimento é bastante eficiente, já que alguns mortais comuns também gostam de experimentar a gastronomia do hotel ali localizado, tido como dos melhores da cidade.