FELI na CROÁCIA-IMPREVISTOS e FINAL FELIZ
A amiga Feli Patrocínio está em viagem à Croácia, com sua irmã Graça. No meio do caminho, um imprevisto. Mas tudo acabou bem, para alegria de todos os seus amigos. De lá, ela acompanha o nosso blog e mesmo em meio à correria, encontrou um tempinho para nos dar notícias. Segue um breve e emocionante relato do que viveu nos últimos dias. Ainda em viagem, Feli segue agora para Paris e Graça volta ao Brasil acompanhada do irmão. Na foto abaixo, a Graça sorri, como diz o Roberto (irmão) no pequeno texto que acompanha a foto, enviada a este blog a nosso pedido:
" Se uma imagem vale por mil palavras, que se dirá de um sorriso, ou melhor, de dois...
Num é que a safa menina safenada (ou é o contrário?) já saiu da semi-UTI e voltou pro quarto, assim com o rostinho mais faceiro!
E sem mais aquela parafernália de tubos enfiados no pescoço e ligados a mil aparelhos.
A vida é bela, não é mesmo Dalmácia, não é mesmo Mar Adriático?" (Roberto Silveira)
Croácia,
nem tão longe do Brasil
*Felicidade Patrocinio
Nem
preciso me levantar, basta erguer os olhos, mesmo estando sentada à mesa, e me
entra por eles a beleza do mar da Croácia, salpicado de ilhas paradisíacas. Mas,
se me movo e atravesso o recinto virando-me para o outro lado, uma janela
escancarada põe diante de mim montanhas, tão próximas que quase posso tocá-las,
e quão belas são. É olhando nesta direção que todos os dias, em torno das 20
horas, quando aqui ainda é tardinha, assisto ao colorido requintado do
crepúsculo cujo sol se despede nos degradês avermelhados.
Após
morar um mês na Croácia, se me perguntassem de que este país é feito, eu diria:
de história, de mar, de montanhas, mas primordialmente de beleza. Plantado no
chão milenar dos Bálcãs, lavado pelo sangue e cultura dos ilírios, dos eslavos,
romanos, gregos e venezianos, que foram se substituindo no domínio das riquezas
e no desfrute da beleza, que até Napoleão quis para si. No início do século XIX,
esteve na região de Dubrovnik, a cidade medieval mais linda que já visitei,
cujas reconstruções, após guerras, terremotos e incêndios, realçaram a mistura
de estilos barroco, gótico e renascentista.
Eu
diria que o povo croata cabe bem no gosto do brasileiro, pois há semelhanças no
modo de ser; católico praticante, uma boa dose de simplicidade, prestativo ao
extremo, comunicativo.
É
verdade, no entanto, que a língua local complica o nosso entendimento. Quando
ouço grupos de mulheres dialogando com certa rapidez, o som de suas vozes
parece o “troar” de bolas de porcelana rodando em pequenos moinhos. As palavras
oriundas de um alfabeto de 30 caracteres são resultado da mistura da língua dos
ilírios e dos eslavos, mas percebe-se vocábulos latinos e até uma certa herança
dos gregos. A maioria dos croatas fala o inglês, pois na escola básica esta
língua é estudada por sete anos. Embora ainda use as kunas como moeda, a
Croácia já integra a União Europeia.
Impressiona-me
o poder de superação e reconstrução desse povo balcânico. A dissolução da Iugoslávia
com a morte de Josip Broz Tito, o estadista que administrou um socialismo até
certo ponto aberto e ofereceu ao seu povo boa condição de vida, provoca
lamentações saudosas em cidadãos mais idosos, e sabe-se também, por ser
verdade, que muitos, não apenas os sérvios, não queriam a dissolução do país,
outrora tão admirado, dono de um dos maiores exércitos da Europa.
É num
destes países que resultaram da dissolução da grande Iugoslávia, a Croácia, que
existe uma cidade muito especial com nome exótico: Split, cidade onde me fixei
por um tempo, por força das circunstâncias de um acidente inesperado. Na
companhia de minha irmã Graça e mais 23 brasileiros, fazíamos uma excursão em
tudo fantástica pelas terras banhadas pelo mar Adriático, quando nesta cidade,
que é o maior porto turístico do país, bem dentro das muralhas da
cidade/palácio milenar e espetacular, construída entre os séculos III e IV,
pelo imperador romano Diocleciano, essa minha irmã sofreu um infarto do
miocárdio.
Foi
internada num grande hospital local, chamado Firula, e imediatamente levada
para o CTI. Após exames e diagnósticos ficou claro que voar para o Brasil seria
morte certa, seu caso exigia cuidados máximos e cirurgia. No dia seguinte o grupo
seguiu viagem, ficando uma acompanhante por 2 dias, para ajudar nas primeiras providências.
Após isto fiquei só, com meu parco inglês que, por força das circunstâncias,
foi-se ampliando. Após mais dois dias no hotel, providenciei um apartamento
perto do hospital, por sorte com vistas belíssimas, onde me encontro no
momento. Do Brasil veio meu irmão Roberto para ajudar.
A situação extremamente aflitiva nos colocou em contato direto e diário com um povo, do qual pouco ou quase nada sabíamos. Foram muitas as surpresas, muito deverei eu escrever para narrar. No entanto cabe pouco neste primeiro relato devido sua forma de artigo. O que não posso adiar é o relato do nosso contato com o maior hospital da região, e com um grande cirurgião cardíaco, o Dr. Denis Nenadić. À primeira vista nosso olhar cheio de inquietação criava estranhamentos que aos poucos foram sendo substituídos por admiração e confiança. Ao dar entrada no hospital, informamos à administração sobre a existência de um seguro de saúde em viagem, mas ao mesmo tempo nos colocamos à disposição para qualquer depósito em dinheiro ou cartão de crédito. Não se perturbaram. Isto ficaria para depois. Interessaram-se, sim, pelos cuidados urgentes com a paciente, que durante dias e dias em repouso e observação fazia exames de toda espécie, incessantemente. As Embaixadas da Croácia no Brasil e do Brasil na Croácia, assim que foram informadas, manifestaram apoio, recomendando-nos. Assim, devido à gravidade do caso, a cirurgia foi indicada para esse cirurgião de referência na área, cujo contato pessoal nos encheu de confiança e otimismo. O hospital gigantesco parece uma pequena cidade, tal é o movimento e circulação de pessoas. Descobrimos aí uma medicina socializada. Após doze dias de internação e dezenas de exames e procedimentos preparatórios, a minha irmã submeteu-se a cirurgia de implante de duas pontes de safena e sua recuperação tem sido maravilhosa. Conhecemos uma realidade que jamais pensávamos existir por estes lados e nestes tempos de capitalismo e desumanismo exacerbados.
Por
trás da acessibilidade e simplicidade de um povo sem arrogância, descobrimos
uma prática hospitalar de primeiro mundo, aparelhos e procedimentos de última
geração. Um só enfermeiro gasta em torno de cem luvas por dia. Para cada toque num
paciente, em cada parte do corpo, um par de luvas. Não se vê economia no que se
refere às necessidades diárias quanto a exames e aparelhos de alto custo. Tudo
aplicado por uma equipe cujo comportamento redime o ambiente daquela usual
gravidade, tornando-o mais leve e humanizado. A educação e delicadeza dos
profissionais já funcionam como parte dos remédios. Muitas vezes vi lágrimas de
gratidão nos olhos de minha irmã, pelo que recebia e como recebia.
Quando
teve alta, o referido cirurgião, gentilmente, trouxe-a em seu carro para o
apartamento, para mais uns dias de recuperação antes do retorno ao Brasil.
Prometeu-lhe assistência até a hora do voo, quando a examinará mais uma vez e a
levará pessoalmente ao aeroporto.
Em meio
a tudo isto, olho a bela paisagem posta diante de minha janela e fico pensando
como é a vida, esta alternância de momentos de paz, alegria, dor e prazer.
Quanto à nossa experiência na Croácia, fica a certeza de que é possível a
esperança e podemos, sim, acreditar no ser humano.
* Artista
plástica-membro do Instituto histórico e Geográfico de M.Claros, da Academia
Feminina de Letras de M.Claros, da Associação dos Artistas Plásticos de
M.Claros.