quinta-feira, 19 de outubro de 2017

PADRE HENRIQUE !

(Foto: R.C.)
PADRE HENRIQUE!
*25/12/1930
*19/10/2017

PADRE HENRIQUE: Do Caminho de Santiago para Montes Claros
Por Márcia Vieira
Publicado em: Revista Plataforma
Janeiro 2013
Olhos azuis límpidos, riso que não cessa e humildade que transborda. É assim que os fiéis encontram o Padre Henrique Munaiz a qualquer hora, do dia ou da noite, na rua, na chuva ou em sua casa, que mais se assemelha a uma fazenda. Receptivo e verdadeiramente feliz, abre os braços e o enorme coração a todos que o procuram. Em Montes Claros, cidade que adotou há 47 anos, ele contraria uma das constatações do escritor Nélson Rodrigues: a de que toda unanimidade é burra. Padre Henrique é amado e acarinhado por todos, pobres, ricos, enfermos, saudáveis, brancos, negros, amarelos, infantes, jovens ou anciãos. Ele consegue até mesmo fazer cair por terra o pensamento dos que acreditam que as religiões não se misturam. Católicos, espíritas, evangélicos e as demais ramificações da fé marcham unidas em defesa do padre.
Quando não está com a batina, seu figurino usual é uma camisa branca de mangas compridas. De portas e coração sempre abertos, leva os convidados à cozinha para um gole de café enquanto coloca a veste santa. E foi assim que recebeu a reportagem da Plataforma quando solicitado para entrevista. Não se opôs, não titubeou e não impôs regras. Rígido ele é com o horário, mas apenas para não deixar de atender a todos os pedidos de conforto, que ao longo de um dia, são incontáveis.
(Foto: Dione Afonso)
Aos 10 anos, o espanhol de Pontevedra, região da Galícia, deixou a casa dos pais para estudar em colégio jesuíta. Aos 16, abraçou definitivamente a companhia de Jesus e a causa do Apóstolo Santiago, o Maior, mentor da ordem religiosa. Aos 24 anos chegou ao Brasil, primeiramente no Rio Grande do Sul, onde terminou os estudos e foi ordenado sacerdote. Logo depois foi enviado a Montes Claros. Ao ser questionado sobre como veio parar na cidade do interior mineiro, responde: ”vim aqui porque me mandaram. O Jesuíta é um filho obediente. O superior manda, ele obedece.” Embora esteja, como ele mesmo diz, “sempre com o pé levantado para seguir ordens superiores e talvez rumar a outros cantos”, o certo é que Padre Henrique Munaiz é um filho de Montes Claros. Amado, querido, aplaudido, santificado. E a cidade não seria a mesma sem a sua generosidade. Na sua fala, distingue os latino americanos como mais receptivos do que os europeus. Dentre estes, o brasileiro ocupa lugar especial, por ser mais caloroso. Entre os brasileiros, coloca o mineiro como ainda mais afetivo e enfim, celebra sua afinidade com a região: “entre os mineiros, o norte-mineiro é um exemplo admirável. Eu estou aqui, como se tivesse nascido aqui”.
Tamanho amor pela cidade não poderia resultar em outra coisa, senão a união de forças. Amigos e admiradores do padre, voluntariamente se uniram e idealizaram o projeto de construção da Capela do Apóstolo Santiago, o Maior. No último dia 18, foi realizado um jantar de adesão para celebrar os 50 anos de sacerdócio do Padre Henrique. A ocasião serviu como pontapé para arrecadação de recursos que permitirão, ao fim de 2013, entregar ao bondoso Padre Henrique a sonhada capela. Durante todo o ano, a comissão organizadora do evento promoverá atividades e envolverá a sociedade em prol da construção.
Padre Henrique é exigente consigo mesmo, no dia a dia e nas atitudes que são, sempre em favor do próximo. Confessa que para ele, o sentido da vida está em servir, daí a disponibilidade que soa assustadora para alguns. Em off, relata uma passagem em que acompanhava o Bispo Dom José Alves Trindade em cidade vizinha. Sentiu-se cansado e postergou para o dia seguinte um atendimento. Mas o seu superior tomou para si a responsabilidade e pacientemente atendeu a senhora que o procurara. A partir daí, Munaiz aprendeu a lição e carrega o exemplo em seu coração. De lá para cá, é possível que nunca mais tenha sentido cansaço. Se sentiu, nem ele mesmo notou.
Torcedor das seleções brasileira e espanhola, da primeira quando está na Espanha e da segunda quando está no Brasil, o cativante Padre dá uma sonora gargalhada e explica a inversão: “é só para provocar!” Além deste hábito, cultiva outros, simples e permitidos pela fé, como a leitura, música e até um bom filme. Revela gostar de música sertaneja e cita a cantora brasileira Inezita Barroso como a favorita. Para ler, acha indispensável a companhia do “L’osservatore  Romano”, jornal diário do Vaticano, cujas edições ele recebe ao final de cada ano. E como filme, escolhe “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni. Um detalhe: ironicamente, o filme italiano foi o vencedor do Oscar de1996, quando na disputa figurava o filme brasileiro, O Quatrilho.
Entre as muitas boas histórias que conta, uma delas faz brilhar os olhos de um modo singular. Certa ocasião, quando fazia seus estudos numa das capelas do Vaticano, o padre viu chegar ao local o então Papa João Paulo II. Comovido com a visita, estendeu a mão e tocou o Papa, quando este passava cumprimentando os presentes. Foram segundos, sagrados e inesquecíveis. Tão importantes para ele, como são os minutos ou horas para aqueles que desfrutam da sua atenção, já que é tido entre nós, quase como um santo. Consciente disso, faz uma ressalva. Diz que tem defeitos, como todo cristão. Como sentimento e atitudes indispensáveis, salienta a fé no ser humano e o perdão. Até para as três vezes em que teve a sua bicicleta levada por outros encontra uma explicação: “estavam precisando mais do que eu!” E arremata: “já que estamos no ano da fé, vamos aproveitar das grandezas que a nossa fé traz consigo para o bem. A fé é luz para iluminar a maneira de agir e viver de um povo. Que seja um ano proveitoso para todos. E a minha gratidão a todos que participam deste movimento, que me sobrepassa um pouco, mas eu aceito”.
Como bom espanhol, Padre Henrique já percorreu por diversas vezes o Caminho de Santiago, o que é muito comum, para alguém que nasceu a apenas 60 km do sagrado percurso. De lá para o Norte de Minas fez a mudança com a costumeira serenidade. Como bom montes-clarense, comeu e aprovou o famoso pequi, o que o credencia para sempre como nosso apóstolo maior.
Márcia Vieira
Janeiro/2013