domingo, 18 de fevereiro de 2018

TEXTO CONVIDADO: ISAÍAS CALDEIRA

TEXTO CONVIDADO: ISAÍAS CALDEIRA

Isaias: no princípio era o caos

Isaías Caldeira *



Tardo, mas não falto. Dizem que depois que tentaram me processar, criminal e administrativamente, por artigos que escrevi aqui, sob acusação de crimes contra a honra ( ? ) - embora nunca tenha nominado em meus textos as pretensas vítimas, até porque as conheço “en passant” e nem as tenho como dignas de citação - teria deixado o ofício da opinião escrita, premido pelo medo comum nacional de afrontar esses que, sem prestar contas a ninguém, arvoraram-se em polícia universal e a todos intimidam, inocentes e culpados. 

Não! Abjuro tais maledicências. Sim, fui o primeiro a denunciar o “ monstro” que emergia, no mesmo formato de sempre,com o mesmo discurso , neste devir histórico, que nos obriga ao eterno retorno ou ao pêndulo de Tocqueville, onde a prostituta das construções sofistas, a tal moralidade pública, em permanente cornucópia com todos os governos, em todos os tempos, empala alguns em praça pública, sob ovação da massa ignara e de aproveitadores políticos, e tem aí sua epifania. 

Agora, agindo como “ justiceiros” oficiais, desgraçadamente amparados em um “ cumpra-se “ de algum juiz infenso aos rigores ínsitos ao devido processo legal , nada e nem ninguém os intimida, nem um Ministro do Supremo, pois não hesitam em críticas ácidas e mesmo mal-educadas às decisões proferidas pela Instância Superior do Judiciário. Tomam a história de assalto, e não podendo incriminar judeus, como outros já fizeram em passado recente, elegem a classe política como alvo, não aleatoriamente, mas de caso pensado, com um “pogrom" a ser cumprido, onde o extermínio moral tomou o lugar da morte física, sem deixar de ser horroroso e infame. 

Sim, também fui o primeiro a denunciar a tal “ condução coercitiva” de quem nunca se recusou a comparecer perante autoridade. Como juiz criminal por mais de 10 anos, nenhum Promotor ou Delegado teve meu amparo a tal ignomínia jurídica, pois sem qualquer previsão no Código de Processo Penal. Entendo, data venia, que diante de tal ilegalidade, todo o processo deveria ser anulado, mesmo ao custo de se absolverem criminosos confessos e seus séquitos, pois o que se busca preservar é maior que o mal porventura feito e não punido - a garantia do processo amparado na lei, sob pena de qualquer casa ser assaltada por agentes estatais, fortemente armados, encapuzados, para levar um pai de família inofensivo à Autoridade, sem que ele saiba sequer de qual crime é acusado, sob regozijo da turba. 

É o que temos visto país afora. Nunca faltam aplausos quando a guilhotina é acionada na casa do vizinho. Nem no regime militar vi coisas assim. Quando alguém era retirado de sua casa, e foram raros, geralmente pessoas envolvidas na luta armada, isso era feito de forma clandestina, sem o conhecimento ou aprovação das instâncias superiores de poder. O Presidente Geisel pôs termo a esses atos, exonerando generais e outras autoridades que praticavam ou toleravam esses abusos. Basta comparar o número de mortos e desaparecidos nos governos militares do Brasil com os governos Chileno, Argentino e Uruguaio, estas, sim, ditaduras cruéis. Pouco mais de uma centena aqui. Milhares lá. Claro, não faço defesa daqueles atos dos nacionais, como não defendo os atos de hoje. Tudo igual e infame. A diferença é que hoje tem a chancela institucional, o que é trágico. Quando as instituições patrocinam ou autorizam a barbárie, é sinal que a democracia claudica, e que um tempo de desesperança e medo permeia o vento que se avizinha. 

Sim, a história é pendular, nunca um evoluir permanente. Pessoas sempre estarão na busca de um “ déjà vu”, repetindo a história, mesmo ignorantes disso, pois poucos se ocupam do passado, e cada nova geração acredita que a civilização começa com ela. Enfim, agora outros se ocupam em dizer o que já verbalizei há anos neste espaço, não estou mais sozinho. As reações começam, partindo de pessoas que não querem mais violações das garantias Constitucionais e que têm instrumentos e poder para retirá-las do cotidiano nacional, acabando com o dantesco espetáculo das execrações públicas. Já era tempo. Aos protagonistas das cenas lamentáveis, que jactavam-se de seus feitos nas redes sociais e na mídia em geral, os aplausos diminuem. Logo os excessos serão postos na balança, e por causa deles, se a história repetir-se, como é de sua natureza, serão execrados, da mesma forma como fizeram a tantos nessas condenações prévias e sem processos, que foram a marca destes tempos. 

Não lhes desejo o final do “ Duce” ou do” Furher”: seus cabedais são poucos, míseros arlequins animando a pantomima, e seus atos não passam de um traço no livro da História, embora acreditem, como os bobos da corte, que o reino não prescinda deles. A eles, ao final,tenho certeza, um epitáfio lhes prestará a última homenagem em seus túmulos: vanitas finis.

* Isaias Caldeira é Juiz de Direito em Montes Claros

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