MEU ÚLTIMO ENCONTRO COM ELTHOMAR
Aconteceu há uns 10 dias. Último e revelador. Atípico. Sentamos num banco da praça Dr. Carlos e batemos papo. Não era comum. Eu sempre o encontrava, mas os encontros eram sempre muito rápidos, superficiais. Costumava fazer comentários quando ele estava vestido com uma camiseta preta grafada "Yellow", em letras amarelas. Eu brincava que era pra me homenagear. Trocávamos umas duas palavras, fazia o registro e pronto. Continuava meu caminho e ele por ali. Nunca sabia quando ele estava indo ou voltando. Não parávamos pra conversar. Portanto, eu não sabia o que, de fato, se passava naquela mente. Pouca coisa não deveria ser, porque ele era rápido, sagaz, observador e não media palavras quando falava (ontem a Angelina me contou uma dessas suas rápidas e engraçadas performances).
Foi bom ter tido a chance de falar com ele, sem compromisso de horário, sem a pressa habitual. Uma despedida, vejo agora, e uma chance para ver de perto um pouco daquele artista admirado por muitos e ser humano compreendido por poucos. Falou em tom meio confessional, o que significa que não estou autorizada a detalhar a conversa.
Depois do longo papo, dei-lhe uma carona. Ele queria ficar na Januária com Bocaiúva, como bem lembrou o taxista, com quem quis andar ontem para relembrar esta passagem. No som do carro, o CD de músicas italianas. O trajeto foi curto, mas valeu. Nos despedimos na porta da casa de uma amiga, Syomara, e naquele momento o Vinícius Aguiar saía do seu stúdio, que também fica naquele trecho. Lembro-me perfeitamente deste dia.
Passei ontem pelo seu velório no Centro Cultural. Vi familiares, vi amigos de verdade e de mentira. Só pra finalizar o nosso papo, Elthomar, "as pessoas são perversas, cruéis mesmo".
Cada um que faça sua homenagem particular. Há beleza em muitas delas, sinceridade, honestidade. O que assusta, são aquelas que se aproveitam deste momento para "crescer" em cima da sua partida. E que contam mentiras, invertem situações, apropriam-se do seu talento e despojamento, aproveitando-se de que não estará aqui para desmenti-las. Porque se estivesse, você mesmo o faria, visto que não era pessoa de se submeter a hipocrisia mundana e a perversidade que detectava ao seu redor.
Não poderia deixar de escrever. Não é uma homenagem a você. É um agradecimento pela boa conversa que tivemos. É um desabafo de alguém que teve com você poucos desses momentos, mas o suficiente pra perceber os meandros da faceta humana que lhe cortavam a alma. Serviu também para confirmar que dificilmente me engano em relação às pessoas e mais, para constatar que devo sim, continuar seguindo a minha intuição e escolhendo bem e o bem, num mundo em que o mal destranca as portas forçando fechaduras e tentando se impor. Maniqueísmo? Sim, mas como conversamos aquele dia meu caro, o bem é o bem e o mal é o mal. Há coisas que são imutáveis, não obstante as tentativas e intervenções externas para transformá-las. Na vida real ou no palco. O seu coração identificava isso e nenhum véu era capaz de mascarar o que você sabia!
Não quis colher depoimentos. De repente, você viraria "gênio" em bocas que nem sabem o que pronunciam. Isso você era e sabia. Com ou sem aval de terceiros. Cada um sabe o que é! E como gênio vivia. No seu canto, à seu modo, sem precisar de autorização. Estive com Val, Ismoro, Dílson e Avilmar, seus irmãos que conheço. E gosto. Dei um abraço em cada um deles. Um abraço que fiquei devendo a você.
Beijo.
Yellow