Mara Narciso
“A vergonha é a herança maior que meu pai me deixou”, diz a letra
da música “Vingança” de Lupicínio Rodrigues. No caso são valores ensinados pelo
pai. “Não sei o que me martirizava mais, se era a vergonha ou o medo”, me disse
alguém, há nove dias. No passado, indicando que deixou esse estado para trás.
Dizem os sociólogos que a cultura japonesa é a cultura da vergonha e que a
americana é a da culpa. A vergonha dá vontade de sumir, e por isso é
representada por pessoas com o rosto encoberto. Mas nem tudo que se vê
escondido é vergonha. Meliante de cabeça baixa e rosto tapado não é vergonha, é
esperteza.
A vergonha é um sentimento desagradável de mortificação e culpa
diante da opinião alheia, quando se pratica algo inaceitável, seja no âmbito
social, político, religioso ou judicial. É sentimento de desonra e rebaixamento.
Quem a sente se acha inútil e desprezível. Quando não há delito real, pode não
haver culpa, que é a violação de valores internos, mas sim vergonha, que é a
ruptura de valores culturais e sociais, perante os outros.
Uma esbravejada dos pais contra uma criança poderá marcá-la,
especialmente quando ocorre em frente a estranhos. Situação mais grave é quando
um adulto sofre desmoralização pública. Após a humilhação, é preciso sumir até
as pessoas se acostumarem. O tempo de uma vida pode não ser suficiente.
A versão que circula é verdadeira? Até que ponto as pessoas têm
como julgar os acontecimentos? Logo se formam opiniões. Mas há quem duvide da
história que se ouve ou se lê, e espera algo mais para fazer seu julgamento. Em
tempos de informação circulando durante o fato, pouca ou nenhuma análise se
faz, e a primeira interpretação vira verdade. No calor dos acontecimentos, em
que as paixões estão em brasa, é de se supor que a ação seria mais vividamente
contada, por estar fresca na memória. Considera-se que, após algum tempo a
pessoa tenha melhor capacidade de fazer uma análise e dar mais detalhes sobre o
episódio. Mas atualmente a precipitação é a regra.
Enquanto a Justiça é lenta, muitos têm pressa em bater o martelo e
dar seu veredicto, condenando, especialmente em situações de violência. O
estopim da opinião pública inexiste e em segundos a malta lincha o suposto
criminoso. Então, nada mais se pode fazer para salvar uma reputação.
O juiz decide rápido, mas analisa lentamente. É preciso estudar os
fatos, porque depois de decidido não há mais volta. Quem se vê execrado
publicamente sente uma dor infinita, com imensa vergonha a atormentá-lo, num
penitenciamento que maltrata mais que uma surra ou prisão ou ambas. A sociedade
não hesita em ultrajar pessoas e grupos.
Após julgamento e condenação, se aprisiona alguém para que se
torture através da culpa, e que venha o arrependimento para que não volte a
cometer o mesmo crime. Então, é preciso conviver com ex-presidiários. Como
inseri-los sem discriminações, dando-lhes nova chance? Dar-lhes emprego é
difícil, mais caro ainda é aceitá-los. Você os aceita?
São pouco faladas, porém permanecem em uso questões relativas à
moral, honra e reputação. Linchamentos morais não são justos. A desonra machuca
e destrói as pessoas, gerando vergonha, uma arma usada para controlar a
sociedade.
Há outras conotações para a palavra vergonha, em expressões como
sem-vergonha, isso é uma vergonha, ou pouca-vergonha, relacionada à nudez e
questões outras. Ter vergonha pode ser sentir-se encabulado. Destaco a vergonha
pública, por ser a mais dolorosa. As pessoas e a imprensa nem sempre são justas
em suas aclamações. Já vimos erros acontecerem na primeira página e em horário
nobre e a retratação ocorrer num pé de página ou na madrugada. Nem de longe os
reparos chegam perto da destruição. E a vida de quem foi linchado? Poucos se
importam com o sofrimento alheio. Os que nunca erraram que atirem seus
teclados.
17 de
fevereiro de 2013
Mara, grata por aceitar o convite do blog. Reli seu texto e destaco um trecho do final: "Já vi erros.....poucos se importam com o sofrimento alheio.". De fato, é o que vem acontecendo sem moderação e a mídia tem uma responsabilidade e tanto nesse sentido. Parte dela, acata o que é ventilado sem pestanejar. Deixam a consciência de lado e partem para acusações levianas, sem constatar a veracidade dos fatos.
ResponderExcluirAbraço.
Márcia Vieira Yellow