Lembrar o médico e escritor gaúcho MOACYR SCLIAR, falecido em 27/02/2011. Scliar tem uma vasta biografia e inúmeras publicações, entre contos, crônicas, romances e ensaios. Era membro da Academia Brasileira de Letras. Em 2008, tivemos a alegria de conhecer e entrevistar o escritor e aqui postamos trecho do encontro:
MOACYR SCLIAR : “Escritores são pessoas frequentemente inseguras”.
Por Márcia Vieira
Fazia calor e o sol despontava forte quando o escritor e médico Moacyr Scliar surgiu no terraço de um hotel em Montes Claros, para atender à imprensa. De passagem pela cidade, cumprindo agenda dentro do projeto “Tim Estado de Minas Grandes Escritores”, Scliar, de origem judaica, alto, esbelto e com olhos azuis muito vivos, sentou-se de frente para o sol, mas logo em seguida, educadamente, pediu para trocar de lugar, pois segundo disse, “quem tem os olhos ou a pele muito clara sofre com o sol”. Simpático, mostrou-se disponível e disposto. Ressaltou a qualidade da literatura brasileira e dos seus autores. O semblante pouco denunciava alterações, exceto quando falou de Paulo Coelho, mas logo adiante, o escritor explicou porque não é fã do mago. Moacyr tem 80 livros publicados e é colaborador de jornais, tendo sido agraciado com os mais importantes prêmios de literatura brasileira e estrangeira. Respondeu pacientemente a todas as perguntas e tratou inclusive do tema “judaísmo”, muito presente na sua obra.
MV: Sua origem é judaica e o tema é recorrente em sua literatura. Seria esta uma forma de diminuir o preconceito? O senhor chegou a sentí-lo?
MS: Eu senti preconceito. Não vou dizer que tenha sido uma coisa traumática, porque o Brasil felizmente não chegou aos níveis que a gente observou em outros países, como por exemplo, na Alemanha Nazista. Aqui infelizmente, o genocídio foi dirigido a índios, negros, etc. Os judeus que eram imigrantes, eram hostilizados, havia certo deboche em relação a eles, tanto pela condição de imigrantes, como pela origem judaica, mas isso, no decorrer do tempo foi desaparecendo. Hoje somos pessoas perfeitamente integradas, houve uma adaptação e pode-se até falar num sincretismo, numa cultura judaico-brasileira ou judaico-gaúcha, como no caso do nosso estado, onde há um grande contingente de imigrantes vindos da Rússia, da Polônia, da Alemanha. O Brasil tem a capacidade de amalgamar culturas e fazer muito bem essa mistura. Isso é um motivo de orgulho pra nós. Não é que o Brasil seja um país sem racismo, sem preconceito, mas aqui, está havendo uma rápida mudança. Na verdade, é uma mudança mundial. Quando é que poderíamos imaginar um negro candidato a Presidente dos Estados Unidos, não é? Essas coisas mostram que apesar de tudo, a humanidade avança.
MV: O que o senhor pensa de pessoas que buscam na literatura fama e dinheiro?
MS: Acho que ele está procurando no lugar errado. É um dos lugares mais difíceis de se obter reconhecimento. Dinheiro, nem se fala. Paulo Coelho é um exemplo único. Acho que a pessoa tem que ter uma visão muito precisa do que tem pela frente. Significa saber que o escritor não é como um atleta olímpico que aos 30 anos ele tem que estar no auge. Não, ele vai escrever até os 50, 80, então tem um tempo pela frente, mas deve saber também que o número de pessoas com afinidade pelo que ele escreve, pode ser muito pequeno. Pra mim, 100 leitores, já é número suficiente.
MV: De suas obras, tem alguma favorita?
MS: ( risos ) É a mesma coisa de perguntar para um pai qual o filho que ele gosta mais. Filho você pode perguntar, porque só tenho um. É o Beto. Eu sou autor de quase 80 livros.
MV: Apenas um (insiste a repórter).
MS: Um que eu citaria é o “ O Centauro no Jardim ”, uma fábula gaúcha. Eu falo nesse livro pelo prazer que ele me deu e também pela repercussão que teve. Foi muito traduzido, muito premiado e transformado até em peça de teatro, por incrível que pareça. Em geral eu gosto do que eu escrevo, quando não gosto, não publico e se por acaso eu publiquei, tiro de circulação.
MV: É preciso sofrer para escrever?
MS: É preciso. Esse humor funciona como uma defesa contra o desespero. É um humor melancólico, não aquele de dar gargalhada. É um humor filosófico, que vai te fazer sorrir, mas que vai te fazer pensar. A pessoa que faz esse humor volta contra si mesma, ela fala mais de si, em termos de gozação. É completamente original. O brasileiro conta piada de português, de argentino, o humor judaico não tem isso. Ele faz uma gozação consigo.
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