HOJE É DIA DE....
Lembrar o escritor, jornalista e político carioca, ARTHUR da TÁVOLA(Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros), falecido em 9 de maio de 2008. TÁVOLA era um apaixonado por música erudita e apresentava na TV Senado um programa com esta temática. Trabalhou em jornais como Última Hora, O Dia e O Globo, com foco na crônica televisiva. Publicou mais de 20 livros de contos e crônicas. Seu filho, André Barros, é ator. Entre as suas belíssimas crônicas, destacamos "Ode ao Gato", texto que recebemos de presente da artista múltipla Elke Maravilha, no RJ. E foi a partir deste presente que aprendi a conhecer a personalidade deste animal e respeitá-lo. Texto perfeito do início ao fim. E destacamos, como de costume, trechos que corroboram a nossa opinião.
Ode ao Gato
Arthur da Távola
"Nada é mais incômodo para a
arrogância humana que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam.
O só amar a quem os merece. O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de
súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades
doentias de amor. Só as saudáveis. Gato só aceita relação de independência e
afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de
traiçoeiro, egoísta, safado, espertalhão ou falso. 'Falso', porque não aceita
falsidade e só admite afeto com troca de respeito pela individualidade. O gato
não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo
amor que lhe é próprio, que é dele e o dá se quiser.
O gato devolve ao homem a exata medida da relação
que dele parte. Sábio, é espelho. Nada pede a quem não o quer. É exigente com
quem o ama, mas só depois de muito se certificar. Não pede amor e nem dele
depende, mas se lhe dá, então o exige (quando sente é capaz de amar muito...
discretamente, sem derramar-se).Quem não se relaciona bem com o próprio
inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque
representa a relação sempre precária do homem com o (próprio) mistério. O gato
não se relaciona com a aparência do homem. Vê além, por dentro e avesso. Relaciona-se
com a essência. A relação dele é com o que está oculto, guardado e os homens
não querem, sabem ou podem ver. Por isso, quando esboça um gesto de entrega ou
manifestação de afeto, é muito verdadeiro, impulso que não pode ser desdenhado.
O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o
homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe
e atenua como pode (enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente).
O gato vê mais, vê dentro e além. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas
amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma
chance de meditação permanente, a ensinar paciência, atenção, silêncio e
mistério. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, está comunicando códigos
que nem sempre (ou quase nunca) são possíveis traduzir.
O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e
fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega,
atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que
precisa de promoção ou explicação os assusta. Ingratos os desgostam. Falastrões
os entediam. O gato não quer explicação, quer afirmação. Vive do verdadeiro e
não se ilude com aparências.
Monge,
sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio, a devolver ao homem as perguntas
medrosas esperando que ele encontre o caminho na sua busca, em vez de o querer
já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo
à pesquisa do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a
possibilidade de criatividade e novas inter-relações, infinitas, entre as
coisas.
Lição de
sono e de musculação, o gato ensina todas as posições de respiração e yoga.
Ensina a dormir com entrega total e diluição no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se
com a massagem mais completa em todos os músculos, preparando-os para a ação
imediata. O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num
segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo,
ao qual ama e preserva como a um templo.
Lições de
saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação
integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço
próprio e território pessoal. Lição de anatomia e equilíbrio. Lição de
silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o
mistério, o escuro e a sombra. Lição de religiosidade sem ícones.
Lição de
alimentação e requinte. Lição de bom gesto e senso de oportunidade. Lição de
vida e elegância, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças,
sem veemência ou exageros e incontinências.
Ninguém
em em toda a natureza, aprendeu a bastar-se a si mesmo como o gato."
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