A quieta tarde de abril, toda ela azul e gentil, presidiu as
despedidas à professora Yvonne Silveira. A mestra de muitas gerações não
teve a conduzir seus despojos ao campo santo um carro solene dos
Bombeiros, e nós atrás, em procissão, agradecidos. Nem o cortejo foi
imenso, para honrar os demorados méritos da mestra, de 100 anos. Tudo
dispensável, para quem ajuntou mais nos planos superiores. Consolei-me,
num raciocínio decerto diverso, menos nos deveres da gratidão, ao
lembrar-me que Afonso Henriques de Lima Barreto, aqui, e Fernando
Antonio Nogueira Pessoa, em Portugal, não tiveram por último ato, entre
os homens, um imediato levante de reconhecimento. Um, o maior poeta da
Língua, além mesmo de Camões; o outro, mulato carioca, de repetidas
internações por crises nervosas, batido pela vida e pela sífilis, gênio
ao escrever, suburbano para viver. Portugal levou décadas a buscar no
Baú a genialidade de Fernando Pessoa e dos mais de 200 que o habitavam,
numa gangorra de excelências e de mistérios. Gastou 50 anos - "Quem quer
passar além do Bojador/Tem que passar além da dor " - para, revirando a
Arca, por fim decidir ir buscar as relíquias do poeta morto aos 47
anos, do Cemitério dos Prazeres para o Panteão Nacional, nos Jerónimos.
Onde a pátria lusitana peregrina hoje ao seu maior nome. Lima Barreto, e
seus cambaios sapatos, também alteia-se para o lugar que
indiscutivelmente é seu; ele, que não teve dúzia de acompanhantes no
féretro quase anônimo, enquanto no quarto ao lado gritava seu pai,
louco. Portanto, consola ao coração que a dívida à professora indistinta
de gerações tenha sido paga hoje, em primeiro lugar, pelo Céu Azul de
Abril da terra que amou, e pela qual viveu minuto a minuto. Seu nome
seguirá no coração de milhares, em especial dos alunos que, um dia, nas
aulas de português da Velha Escola Normal, da sua voz em primeiro lugar
ouviram, em latim - sic transit gloria mundi. Pois que, passageira é a
glória do mundo. Não para o Céu de Abril.
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