O GATO da CLARA
CLARETH DANTAS, a CLARA, uma colega muito querida, anda super feliz com o seu gatinho. De fato, ele é lindo e a gente entende a razão do entusiasmo. Meu Yellow , que não era gato e sim um coelhinho, também era tudo de bom. O melhor filhinho que alguém pode ter. Quando a Clara mostrou a foto, logo me lembrei de um texto muito bacana, que mudou a minha visão sobre gatos. Confesso que achava o bichinho meio sinistro, mas depois de ler este texto, um presente que ganhei da Elke Maravilha, que é apaixonada por gatos, passei a observá-los e até a gostar. O texto é do Arthur da Távola. Sempre que vejo alguém amar um bichinho destes, que não tem nada de santo, nem de demônio, passo o texto adiante. Acho que todo mundo deveria ler, para entender o Gato. A Clara amou e eu deixo aqui pra vocês, o texto e claro, a foto da Clara com seu gatinho:
ODE AO GATO
Arthur da Távola
"Bichos
polêmicos sem o querer, porque sábios, mais
inquietantes, talvez por isso. Nada é mais incômodo
que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir
a quem amam. O só amar a quem os merece. O homem
quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica,
temor, reverência, obediência.
O gato não
satisfaz as necessidades doentias do amor. Só
as saudáveis. Lembrei, então, de dizer, dos
gatos, o que a observação de alguns anos me
deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de
iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe,
entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão,
uma possibilidade de luz e vida onde há ódio
e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não
está por trás do Mago Merlin, soprando-me
o artigo?
Já viu gato
amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo
às ordens de um pilantra que vive à custa dele?
Não! Até o bondoso elefante veste saiote e
dança a valsa no circo. O leal cachorro no
fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza
de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham
na jaula. Gato não.
Ele só aceita uma relação
de independência e afeto. E como não cede
ao homem, mesmo quando dele depende, é chamado
de arrogante, egoísta, safado, espertalhão
ou falso. "Falso" porque não aceita a nossa
falsidade com ele e só admite afeto com troca e
respeito pela individualidade. O gato não gosta
de alguém porque precisa gostar para se sentir
melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio,
que é dele e ele o dá se quiser.
O gato devolve
ao homem a exata medida da relação que dele
parte. Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato é
Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não
é inação. Nada pede a quem não o quer.
Exigente com quem ama, mas só depois de muito
certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá,
então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem
depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de
amar muito. Discretamente, porém sem
derramar-se. O gato é um italiano educado na
Inglaterra. Sente como um italiano, mas se
comporta como um lorde inglês.
Quem não se
relaciona bem com o próprio inconsciente não
transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça,
porque representa essa relação precária do
homem com o (próprio) mistério. O gato não se
relaciona com a aparência do homem. Ele vê
além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se
com a essência. Se o gesto de carinho é medroso
ou substitui inaceitáveis (mas existentes)
impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E
se defende do afago.
A relação dele é
com o que está oculto, guardado e nem nós
queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso,
quando surge nele um ato de entrega, de subida
no colo ou manifestação de afeto, é algo muito
verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um
gesto de confiança que honra quem o recebe,
pois significa um julgamento.
O homem não
sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem.
Se há desarmonia real ou latente, o gato sente.
Se há solidão, ele sabe e atenua como pode,
ele que enfrenta a própria solidão de maneira
muito mais valente que nós. Nada diz, não
reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa
que "ele" não está ali. Presente ou ausente,
ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe,
olhando ou fingindo não ver, ele está
comunicando códigos que nem sempre (ou quase
nunca) sabemos traduzir.
O gato vê mais e
vê dentro e além de nós. Relaciona-se com
fluídos, auras, fantasmas amigos e opressores. O
gato é medium, bruxo, alquimista e
parapsicólogo. É uma chance de meditação
permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção,
silêncio e mistério. O gato é um monge
silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver
as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho
na sua busca, em vez de o querer preparado, já
conhecido e trilhado.
O gato sempre
responde com uma nova questão, remetendo-nos à
pesquisa permanente do real, à busca incessante,
à certeza de que cada segundo contém a possibilidade
de criatividade e de novas inter-relações,
infinitas, entre as coisas. O gato é uma lição
diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações
são íntimas e profundas. Exigem recolhimento,
entrega, atenção.
Desatentos não
agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o
que precise de promoção ou explicação quer
afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude
com aparências. Ninguém em toda natureza
aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si
mesmo como o gato! Lição de sono e de
musculação, o gato nos ensina todas as posições
de respiração ioga. Ensina a dormir com
entrega total e diluição recuperante no Cosmos.
Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais
completa em todos os músculos, preparando-os
para a ação imediata. Se os preparadores
físicos aprendessem o aquecimento do gato, os
jogadores reservas não levariam tanto tempo
(quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo.
O gato sai do
sono para o máximo de ação, tensão e
elasticidade num segundo. Conhece o desempenho
preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo,
a qual ama e preserva como a um templo. Lição
de saúde sexual e sensualidade. Lição de
envolvimento amoroso com dedicação integral de
vários dias. Lição de organização familiar e de
definição de espaço próprio e território
pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio,
desempenho muscular. Lição de salto. Lição de
silêncio. Lição de descanso. Lição de
introversão. Lição de contato com o mistério,
com o escuro, com a sombra. Lição de
religiosidade sem ícones. Lição de alimentação
e requinte. Lição de bom gosto e senso de
oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais
completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças,
sem veemências, sem exigências.
O gato é uma
chance de interiorização e sabedoria, posta
pelo mistério à disposição do homem."
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