Meus guardados, encontrei este texto, escrito em 2008, mas ainda bastante atual. Republico:
Terça-feira, 02 de dezembro de 2008
23:03
O irmão Mora ao Lado
O Irmão Mora ao Lado
Por Márcia Vieira
Há dias assistimos a mais uma catástrofe em nosso Brasil. Santa
Catarina, na rica e educada região Sul do país, agoniza. Centenas de
mortos, desabrigados, desassistidos. É crível e digna, toda mobilização
que objetiva socorrer os irmãos. Números de telefone são
disponibilizados em toda parte do país, assim como números de contas
bancárias. Movimentos apontam naquela direção, onde a situação, quase
insustentável, faz queixume nos corações de quem assiste. E quem
assiste? Nós, irmãos do Sudeste, também do Norte, Nordeste e
Centro-Oeste. Assistimos, nos ferimos, vertemos lágrimas, nos
posicionamos como se lá estivéssemos. Irmãos do Sul ou de outras regiões
já citadas, são irmãos. De sangue ou de coração, a dor é igual. É dor! E
aí, assistindo a tudo, queremos socorrer. O espírito de solidariedade
está em todo o Brasil.
Esse mesmo espírito que tão logo nos impele a
refletir. Mas e o meu irmão, que aqui está, logo ali, tão pertinho, a
dois ou três quarteirões, na minha rua, na minha porta, na casa vizinha,
metros ou quilômetros de distância, tenho feito por ele, algum bem?
Tenho estendido a mão, a voz, ou ao menos tenho olhado em seus olhos com
atenção? Perto, tão perto ou numa casa distante, numa rua erma, num
bairro massacrado, numa cidade próxima, num hospital de desvalidos, numa
vila de desamparados, lá também estão os nossos irmãos. E o espírito
solidário, que sofre ao se deparar com cenas tristes, nos acorreu com a
mesma e intensa velocidade que atingiu o coração ao assistir a
catástrofe em Santa Catarina?
Sim, eu diria. Mas por que então, não
olhar e enxergar o que padece tão próximo? Porque é mais fácil, cômodo
até, direcionar os olhos e as mãos àqueles que não nos criam problemas,
que não se fazem presentes fisicamente, a ponto de perturbar o nosso
sossego, o nosso descanso. O sofrimento do país é verdadeiro. Mas o
egoísmo, que reside em cada um de nós, também. Depositar uma quantia a
fim de socorrer aos que sentem fome, frio e sono, sem sequer ter onde
recostar, é mais tranqüilo e seguro do que oferecer a nossa cama, o
nosso cantinho, o nosso farto alimento.
Queremos ajudar, mas sem estar
lá, sentindo fome, frio, e sono. Temos nossos cantos confortáveis para
repousar, nossas telas de televisão e computador que favorecem o contato
com os demais, temos a nossa vida reta, quase sem sobressaltos, temos a
comida quente e saborosa, a roupa bonita, elegante e "da moda", enfim,
temos a segurança (?) longa e incansavelmente almejada. Temos! Um sem
número de "temos".
E "somos" ou "estamos" realmente preocupados com o
espírito de fraternidade, legado, antes de todos, à humanidade? Milhares
de pessoas prosseguem irmanadas na intenção de reconstruir Santa
Catarina. Seria cruel não socorrê-los. E não é menos cruel, desviar os
olhos do irmão que mora ao lado, do que não tem emprego, saúde, moradia e
do que carece, às vezes, apenas de um afago. Afago na alma, olhar
amigo, palavra doce.
Abençoado seja também, aquele que desconhece a
essência da boa ação: o silêncio. Este esquecido e solene ato de
bondade, que raramente acompanha a mão/coração que oferta. O que é
ofertado com bem querer, afeição justa e sincera, oculto também deveria
ser. É comum assistirmos, em momentos como este, pessoas físicas ou
jurídicas que se gabam de doações encaminhadas, da ajuda prestimosa, do
socorro oferecido, como para expurgar os pecados opressos em recônditos
da alma.
De uma forma ou de outra, é certo que os irmãos de Santa
Catarina, agradecem. Humilde e sinceramente, agradecem. Como agradecido
poderia ficar o nosso vizinho; o desconhecido, que situações cotidianas
nos impedem de enxergar; o enfermo de corpo ou de espírito; o atendente,
que sabe-se lá qual problema, destila mau humor e descortesia; o
aniquilado pela vaidade; o injustiçado habitante de um mundo sem
diretriz; o vitimado pela fome, frio, sede, perdas e afins, com a
solidariedade do irmão que mora aqui, bem ao lado.
Márcia Vieira
Dez/08
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