TEXTO CONVIDADO: ISAÍAS CALDEIRA
Sobre leis abusivas
Isaias Caldeira *
Os amigos que me leem sabem que sou um sujeito enojado de uma das práticas mais comuns àqueles que expõem ideias em público, a tal hipocrisia, onde a verdade jaz subjacente, enterrada sob palavras do agrado geral, no desejo real do sujeito de se apresentar bem aos olhos críticos dos leitores. Pois bem, na unanimidade quase geral que avasssala o País em apoio às medidas de combate à corrupção propostas e em exame no Congresso Nacional, de iniciativa do Ministério Público, da Polícia Federal e de parte do Judiciário, guardo minhas resistências , pois, como dizia o velho Brizola, “ venho de longe”, e sei que o Estado, esse monstro de punhos de aço, tem o vezo de abusar de suas forças, em detrimento da cidadania. Já temos leis penais em demasia no Brasil. Não creio que algum País no mundo cultive tanto esse jardim , onde , ao invés de flores, medram espinhos normativos, como óbice à sanha dos refratários a paz social. Há sempre uma ideia nova , numa criatividade ilimitada, para punir e vigiar. Imaginem, dentre as inovações pretendidas, basta ao agente do Estado alegar boa fé na sua conduta, por mais abusiva que seja, para validar uma prova em um inquérito ou processo. Mais, prevê a possibilidade do agente se insinuar ao servidor público, induzindo-o a cometer quaisquer dos crimes contra a administração pública, e deste modo ser processado, criminal e administrativamente. Isso é crime preparado pelo Estado, incentivado por ele, num retrocesso medieval, digno daqueles ambientes da idade média, onde a Inquisição tinha igual procedimento e tática. O mais absurdo é que, contrariamente a esses abusos, as mesmas vozes se mostram refratárias às inovações pretendidas na ineficiente Lei de Abuso de Autoridades, vigente no Brasil, de n. 4898/65. O “novo” projeto de Lei é de 2009 e foi agora movimentado por Senadores, a pedido de Ministro do STF, preocupado com os excessos nas investigações policiais, de promotores e de juízes, obviamente em casos pontuais, não sendo esta a regra. Investigados alguns Senadores pela operação Lava a Jato, haveria, na opinião bronca de alguns críticos, razão para se posicionarem contrários às inovações. Dizem que as mudanças visam atingir a famosa operação em curso. Não é verdade. Por imperativo legal, a lei nova não retroage para punir, só para beneficiar. Assim, nenhum dos agentes e seus atos, já praticados no âmbito dessa operação, seriam atingidos, permanecendo infensos aos novos rigores legais a gizarem as investigações em geral. Sei que as associações de Magistrados também são contrárias às mudanças, mas delas permito-me, respeitosamente, divergir, acompanhando o posicionamento do Min. Gilmar Mendes, e dos juristas que elaboraram o projeto em gestação. A nova lei que pune o abuso de autoridades já deveria estar em vigor, como forma de inibir os excessos nas acusações, nas denúncias lastreadas em hipóteses, sem concretude nas provas. Um inquérito ou processo criminal é , em si, uma punição ao cidadão, que perde a sua tranquilidade, convivendo com uma ameaça permanente à sua liberdade. As autoridades incumbidas pelo Estado de investigarem e promoverem a ação penal devem ser melhor controladas em seus atos, e nada mais óbvio, para se alcançar e vivenciar o Estado Democrático de Direito, que impor limites às ações desses agentes. Como Magistrado, a lei não me intimida, ao contrário, será o coroamento de uma esperança que sempre tive, da plena cidadania, pois abjuro toda forma de abuso Estatal, mesmo quando os autores alardeiam fins nobres no martírio imposto aos indivíduos investigados e, não raro, previamente castigados com antecipações de pena, em inquéritos e processos que , muitos deles, ao final, resultam em absolvições tardias.
* Isaías Caldeira é Juiz de Direito na Comarca de Montes Claros
Isaias Caldeira *
Os amigos que me leem sabem que sou um sujeito enojado de uma das práticas mais comuns àqueles que expõem ideias em público, a tal hipocrisia, onde a verdade jaz subjacente, enterrada sob palavras do agrado geral, no desejo real do sujeito de se apresentar bem aos olhos críticos dos leitores. Pois bem, na unanimidade quase geral que avasssala o País em apoio às medidas de combate à corrupção propostas e em exame no Congresso Nacional, de iniciativa do Ministério Público, da Polícia Federal e de parte do Judiciário, guardo minhas resistências , pois, como dizia o velho Brizola, “ venho de longe”, e sei que o Estado, esse monstro de punhos de aço, tem o vezo de abusar de suas forças, em detrimento da cidadania. Já temos leis penais em demasia no Brasil. Não creio que algum País no mundo cultive tanto esse jardim , onde , ao invés de flores, medram espinhos normativos, como óbice à sanha dos refratários a paz social. Há sempre uma ideia nova , numa criatividade ilimitada, para punir e vigiar. Imaginem, dentre as inovações pretendidas, basta ao agente do Estado alegar boa fé na sua conduta, por mais abusiva que seja, para validar uma prova em um inquérito ou processo. Mais, prevê a possibilidade do agente se insinuar ao servidor público, induzindo-o a cometer quaisquer dos crimes contra a administração pública, e deste modo ser processado, criminal e administrativamente. Isso é crime preparado pelo Estado, incentivado por ele, num retrocesso medieval, digno daqueles ambientes da idade média, onde a Inquisição tinha igual procedimento e tática. O mais absurdo é que, contrariamente a esses abusos, as mesmas vozes se mostram refratárias às inovações pretendidas na ineficiente Lei de Abuso de Autoridades, vigente no Brasil, de n. 4898/65. O “novo” projeto de Lei é de 2009 e foi agora movimentado por Senadores, a pedido de Ministro do STF, preocupado com os excessos nas investigações policiais, de promotores e de juízes, obviamente em casos pontuais, não sendo esta a regra. Investigados alguns Senadores pela operação Lava a Jato, haveria, na opinião bronca de alguns críticos, razão para se posicionarem contrários às inovações. Dizem que as mudanças visam atingir a famosa operação em curso. Não é verdade. Por imperativo legal, a lei nova não retroage para punir, só para beneficiar. Assim, nenhum dos agentes e seus atos, já praticados no âmbito dessa operação, seriam atingidos, permanecendo infensos aos novos rigores legais a gizarem as investigações em geral. Sei que as associações de Magistrados também são contrárias às mudanças, mas delas permito-me, respeitosamente, divergir, acompanhando o posicionamento do Min. Gilmar Mendes, e dos juristas que elaboraram o projeto em gestação. A nova lei que pune o abuso de autoridades já deveria estar em vigor, como forma de inibir os excessos nas acusações, nas denúncias lastreadas em hipóteses, sem concretude nas provas. Um inquérito ou processo criminal é , em si, uma punição ao cidadão, que perde a sua tranquilidade, convivendo com uma ameaça permanente à sua liberdade. As autoridades incumbidas pelo Estado de investigarem e promoverem a ação penal devem ser melhor controladas em seus atos, e nada mais óbvio, para se alcançar e vivenciar o Estado Democrático de Direito, que impor limites às ações desses agentes. Como Magistrado, a lei não me intimida, ao contrário, será o coroamento de uma esperança que sempre tive, da plena cidadania, pois abjuro toda forma de abuso Estatal, mesmo quando os autores alardeiam fins nobres no martírio imposto aos indivíduos investigados e, não raro, previamente castigados com antecipações de pena, em inquéritos e processos que , muitos deles, ao final, resultam em absolvições tardias.
* Isaías Caldeira é Juiz de Direito na Comarca de Montes Claros
Lúcido e sensato. Ninguém está acima da lei e não é razoável que alguém seja vítima dela.
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