PRESENTES DE
NATAL
* Felicidade
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A hora era entre tarde e noite de
véspera de Natal. Eu, entre criança e adolescente, já vivia àquela hora, com
antecipação, a emoção da beleza e do carisma que toda noite de Natal derrama
sobre mim. A profunda convicção e vivência religiosas dos meus pais, pessoas
espiritualizadas, transmitindo a nós seus filhos, a certeza de que vem dos céus
e lá termina a nossa transcendentalidade, fazia do Natal, uma noite mágica.
Fossem, quais fossem, os apertos financeiros, nada perturbava o Natal, pois
nesta época, sempre havia festa, ceia, alegria, emoção e presentes em nossa
casa.
Só neste Natal descobri (triste
recordação), o quanto se sacrificavam os meus pais para proporcionar toda
aquela fartura.
Dos onze filhos a sustentar, os quatro
mais velhos já residiam nas capitais estudando em universidades, buscando no
curso Superior as condições de uma ampla realização e de um futuro promissor.
As despesas, antes grandes, agora se tornavam penosas. Eram diários os
desafios.
O meu pai, filósofo nato com postura
socrática defensor das virtudes, andava com a cabeça no alto, a vislumbrar
transcendências. Ao mesmo tempo se debatendo entre a busca do ser e o
atendimento às necessidades inquestionáveis dos haveres dos entes pelos quais
se responsabilizara.
A minha mãe, generosa, sábia, a cuidar
do espírito, mas sem tirar os pés do chão, também acudindo milagreira as
premências da condição humana, dos seus.
E o fértil casal, colocado pela vida, em
circunstâncias de tempo e espaço num mundo de política capitalista já
exacerbada, se debate diante da responsabilidade e as dificuldades de uma prole
numerosa em um ambiente, onde já se tornavam sobre-humanas as solicitações e os
apelos da era consumista moderna, onde predominava a máquina multiplicadora de
coisas a anular valores.
O pai se afastava do lar, mulher e
filhos e se perdia pelas estradas poeirentas, mais caminhos que estradas do
Norte de Minas, a abrir seus mostruários de produtos texteis-fabris,
valorizando-os com suas atitudes exemplares de honestidade, respeito e grande
educação. A mãe, o dia quase inteiro na escola a ensinar. Noite a dentro,
acordada, à mesa da sala, na elaboração de folhas de pagamentos de outras
escolas, complementando assim o sustento básico, necessário a família.
E chega o Natal, este mais magro que
todos da nossa estória.
Como
perceber? Tudo era contornado de maneira
amorosa e milagrosa. Porém este foi diferente; até a última hora não se via movimento
de presentes e a ceia estava menos farta.
A mãe, lá estava ao fogão na mística de
criar e multiplicar.
E o meu pai, apesar dos bolsos vazios se
dirige ao centro comercial da cidade, rumo as lojas iluminadas, vibrantes e
feéricas.
Entra numa e noutra. Olha brinquedos,
pede preços. Tudo caro. São onze
filhos, nada consegue comprar. Resolve então retornar. No bar da esquina vê o
amigo alegre, festeiro que o convida a um brinde, mesmo sabendo-o intransigente
abstênio.
Surpresa! Pela 1ª vez o brinde é aceito,
mais um e mais outro. Outros mais e se perde a conta.
Sem condições de andar normalmente, pelo
amigo é levado em casa.
E o que vê a menina adolescente?
O seu pai estranho, desfalecendo
enrolando a língua em estertores, fazendo vômitos.
Quadro inédito, terrível,
incompreensível. Foge à rua e desvairada acorre a casa do vizinho que possui
telefone.
Em prantos solicita chamarem um médico,
o mais urgente, já que seu pai está morrendo.
Vieram todos os vizinhos e o médico, que
constatou o efeito violento da bebedeira num organismo virgem de álcool.
E todos ficaram envergonhados. Olhavam
constrangidos para a menina-adolescente, que se precipitara.
Minha mãe chorou, o meu pai chorou,
jamais esqueço.
E eu também chorei, já percebendo,
apesar da pouca idade, o quanto de desespero e insatisfação traz, mais que
alegria e realização, um mundo predominantemente consumista, o mundo das coisas
supérfluas, gerado por um capitalismo exacerbado.
*Artista Plástica, membro do Inst. Histórico e Geográfico, da Academia Feminina de Letras e da Associação dos Artistas Plásticos de M.Claros.
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