UMA HISTÓRIA QUE TRAUMATIZOU A IGREJA
CATÓLICA NO BRASIL
A
revoada dos anjos de Minas
(ou a Diáspora de Mariana)
José Maria Mayrink , O Estado de S. Paulo
A história nebulosa e mal contada do
fechamento, em setembro de 1966, do Seminário Maior São José de Mariana é o
tema do livro-reportagem A Revoada dos Anjos de Minas (ou A Diáspora de
Mariana), do jornalista J. D. Vital, que pesquisou fontes seguras para contar o
que ia se perdendo na memória das novas gerações. Do psicanalista João Batista
Lembi Ferreira, protagonista do episódio que traumatizou a Igreja Católica no
Brasil, a ex-alunos banidos, de uma hora para outra, dos cursos de Filosofia e
Teologia, o autor registrou dezenas de relatos para costurar, com
imparcialidade profissional, versões capazes de explicar, exatos 50 anos
depois, a devastação provocada pelos desafios do Concílio Ecumênico Vaticano
II, encerrado em dezembro de 1965.
O Seminário Maior de São José em Mariana:
problemas com a ditadura - “Colhi depoimentos de padres, seminaristas,
testemunhas oculares do episódio que escandalizou Minas”, informa Vital, autor
de outra obra referência na literatura eclesiástica, Como se Faz um Bispo
(Editora Civilização Brasileira). João Batista, o psicanalista que abriu as
anotações de seu diário para o jornalista iniciar sua investigação, era padre
lazarista ou da Congregação da Missão, responsável pela direção dos seminários
menor (curso médio) e maior (curso superior) de Mariana para a formação de
sacerdotes. Ao assumir a função de Prefeito dos Estudantes, três anos após ter
sido ordenado padre, provocou uma reviravolta no bicentenário São José, uma
casa com 216 anos de tradição. Começou acabando com a censura da
correspondência, removendo da porta de seu quarto a caixinha em que os
seminaristas deixavam, abertas, as cartas endereçadas às suas famílias.
Diante de murmúrios de descontentamento que
circulavam pelos corredores, os professores aplicaram um questionário nas salas
de aula para apurar queixas e sugestões. O resultado foi assustador: mais de
90% dos rapazes estavam insatisfeitos com o ensino e com as regras do
internato, entre elas o uso de batina. Na mesma proporção, manifestaram-se
contra o celibato obrigatório, embora a questão não constasse da pesquisa. O
reitor, padre José Pires de Almeida, comunicou ao arcebispo, d. Oscar de
Oliveira, a decisão de devolver o seminário, que a Congregação da Missão vinha
dirigindo havia mais de 100 anos. Os lazaristas, argumentou, não tinham
condições de fazer as reformas necessárias. D. Oscar surpreendeu-se com os
resultados da pesquisa, mas concordou com o reitor. De linha conservadora, ele
achava que tudo corria bem em Mariana, cujo clero – acreditava – até gostava de
usar batina.
D. Oscar não costumava ir ao seminário, mas
convocava padre Almeida à sua residência, quando queria falar sobre a formação
dos seminaristas. O arcebispo recebia informações de fontes de sua confiança.
Havia exageros, mas também escândalos nas denúncias sobre o comportamento de
seminaristas que, nos fins de semana, ajudavam nos trabalhos pastorais de
paróquias vizinhas, como as de Ouro Preto. Ao anunciar o fechamento do São
José, d. Oscar disse que seria uma interrupção temporária, pois os alunos –
aqueles que de fato quisessem ser padres conforme o coração de Jesus –
voltariam no ano seguinte. Reformulado e com menos seminaristas, apenas uns 50,
em vez dos 115 matriculados em 1966, o seminário seria dirigido por padres do
clero diocesano. De fato, foi o que aconteceu.
Vital analisa a crise de Mariana no
contexto religioso e político da década de 1960. Além da renovação proposta
pelo Concílio, os seminaristas e seus professores sofreram a influência do
regime militar, contra o qual se manifestavam. Os lazaristas apoiaram as
reivindicações de seus alunos e resistiram à orientação de d. Oscar. “O texto
não acusa e não absolve... o autor não se interessa por saber quem é santo ou
pecador, nem vencedor e vencido”, observa João Batista na orelha do livro. O
psicanalista, que dois anos depois teria participação de destaque nos protestos
de estudantes contra a ditadura no Rio, era um “descabeçado”, na opinião do
arcebispo.
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