Mudando
paradigmas / Mara Narciso
Existem
referências inquebrantáveis, petrificadas, tão firmes e concretas que muitos as
engolem sem esboçar qualquer dúvida. Apenas pessoas loucas têm coragem de
questionar, enfrentar e derrubar tais barreiras, pisoteá-las, triturá-las e
colocar algo novo em seu lugar. São os pioneiros, desbravadores, que mudam o
ambiente em sua volta. A humanidade anda por causa dessas pessoas, homens e
mulheres ousados, que não se conformam com o que está estabelecido, discursam,
fazem seguidores, mas agem, jogando conceitos no chão, trocando-os por outro. É
o que se chama atitude.
O
mundo já deu muitas voltas e tantas coisas aconteceram à humanidade, que parece
não haver mais nada a ser achado, inventado e afins. Tudo já foi feito. Ser
original hoje parece impossível, pois “nada se cria, tudo se
copia”, como dizia, parafraseando Lavoisier, Abelardo Barbosa, o
Chacrinha, morto em 1988.
A
surpresa é quando o banal choca, cria arestas, destila discórdia. O século XXI
já esgota sua segunda década, e ainda há carruagens na rua. Pessoas sonhadoras,
que estão fixadas em comportamentos antigos. Há uma volta da censura, com caça
à liberdade e à autonomia. O efeito manada predomina, e, outrora comandado pela
televisão, hoje as redes sociais o controlam. Quando a ordem é dada, poucos não
a obedecem.
Na
década de 1960, durante uma festa, uma mulher “desquitada” entrou
num clube em Montes Claros. A orquestra parou e o organizador foi ao microfone
mandar que ela se retirasse. Quem vê os books românticos de grávidas em
estúdio, com suas barrigas polidas de sete meses, nem imagina o rebuliço que
Leila Diniz causou quando mostrou o barrigão numa praia do Rio de Janeiro em
1971. O preconceito anda amarrado com a ignorância. Quando a AIDS surgiu, no
começo da década de 1980, numa piscina lotada de um clube, um moço gay pulou,
inocentemente. As pessoas desocuparam o lugar.
Estranhamente,
há um retorno aos comportamentos de décadas atrás, um moralismo sem sentido
ditado por pessoas que não têm moral, como bem ressaltou em seu discurso na
época do impeachment, Dilma Rousseff. Outros pregam a liberdade de pensar e se
expressar, individualmente, assim como quebram paradigmas – as
referências, os exemplos típicos, os modelos a seguir, os padrões -, ainda que
sejam fortes no Congresso Nacional os grupos da Bíblia, do boi e da bala, ou
seja, evangélico, ruralista e militarista.
“Uma
comunidade científica consiste de pessoas que partilham um paradigma”.
Estudos e contradições, num certo momento podem dar origem a um novo paradigma
para aquela comunidade. O escrutínio científico demonstra que aquelas verdades
estão antigas e superadas e novos conceitos são apresentados. Acontece isso na
Medicina, por exemplo. Houve um tempo em que o diagnóstico de Diabetes Mellitus
era dado com glicemia igual ou maior que 140 mg/dl em jejum. Como pessoas
abaixo desse parâmetro apresentavam complicações típicas da doença, o número
caiu para 126 mg/dl.
Quebrar
referências sociais é para poucos, e nem sempre significa transgressão, mas, de
alguma forma é a saída da zona de conforto e a busca de algo melhor, mais
livre, sem as amarras do prejulgamento.
Deixar
o preconceito dormir e não acordá-lo não é coisa de desocupados que pregam o
politicamente correto. Só acha isso perda de tempo, quem não foi vítima dele e
nem teve prejuízos com a discriminação. Então, se munir de coragem e ir atrás
do justo e adequado socialmente é coisa de malucos sim, e que ficam às voltas
com ideias preconcebidas, desprezos e pedradas dos vizinhos. Desconfortáveis,
mas tranquilos. Quando o novo comportamento é aceito e se assenta, quando vira
“normal”, os que a princípio o rejeitavam, o abraçam, e mesmo
calados veem que foi melhor assim. Exemplos? Que cada um pense em um e veja o
que ganhou com a mudança. Ainda que nem tudo que mude, seja para melhor.
9
de fevereiro de 2018
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