Por
favor, não diga não te quero mais!
Mara Narciso
É
possível voltar atrás e pedir outra chance, mas convém? O senso comum sugere
que, o ciclo se fechando, deve-se virar a página e começar outro capítulo. Pode
ser inútil remendar pano furado ou colar cacos, especialmente em casamentos
falidos. O recomeço traz esperança de mudança. Caso ocorra, pode esperar, será
para pior. Escreva aí. Caso seja preguiçoso, volta com mais preguiça; caso seja
desleixado, nem banho vai tomar; se não gosta de pagar contas, passa a dizer:
“quando tenho dinheiro não quero pagar e quando quero pagar não tenho
dinheiro”. Isso para falar dos defeitos miúdos que podem ser publicados. Então,
os remendos, mesmo cerzidos com capricho e acerto, duram apenas mais um
período, para outra vez machucar o peito numa nova separação. Do arrependimento
vem a constatação: minha ferida tinha sarado e agora está aberta outra vez.
Amigos,
amigos, negócios a parte. Quando quiser perder um amigo, faça dele seu sócio.
Por mais correto e confiável que seja, é melhor não inventar. Muitas sociedades
profissionais dão certo e a dupla enriquece junto, mas, são frequentes rupturas
debaixo de saraivadas de balas, verbais e algumas vezes de fato. Depois disso,
não há como manter a amizade.
Há
quem faça pouco caso no outro. Ainda assim, arrisca-se a namorar a pessoa.
Arrasta o relacionamento um tempo e depois vem o fim. O lado preterido sofre,
mas acaba se convencendo que foi uma benção divina se libertar daquele encosto
para sempre. Mas, para sempre é tempo longo demais. Adiante, a pessoa se
esquece das dificuldades e o que a irritava no relacionamento e recomeçam os
convites para sair. Volte ao primeiro parágrafo. O que era ruim, anos depois só
pode estar pior. Não se iluda com o personagem idealizado por um momento
carente. Não vá. Caso resolva colocar a figurinha repetida na sua vida, siga na
reprise, mas não se iluda. Para os dramáticos cuja sina seja sofrer, apegue-se
a essa pessoa mais uma vez, porém não reclame quando o fracasso se concretizar.
Há quem goste de se apegar a uma casa em ruínas, ou a um objeto em chamas,
assim como existem pessoas violentas, que ficam a beira de apertar o pescoço da
outra ou o gatilho. Caso seja facultada outra chance, não será difícil a
explosão, tantas vezes próxima, se concretizar.
Mudando
para a infância, a minha prima Vânia Marly tinha sete anos. Morávamos no mesmo
prédio. Ela tinha um boneco de borracha, chamado Tonico. Era um brinquedo feio,
daqueles feitos a partir de um molde ruim, sem detalhamento, de braços colados
ao corpo e que apitava ao ser apertado. Vestia uma camisa branca de mangas
compridas e uma calça azul, pintadas sobre o corpo. Apesar disso, Vânia amava
aquela feiura e não largava o pobre. Abriu um buraco na altura da boca do
boneco e enchia o coitado de comida, que apodrecia lá dentro. Um dia, ela soube
que seus padrinhos ricos João e Mônica viriam de Brasília visitar a família e
lhe trariam uma boneca. Ficou sonhando como seria, imaginando a carinha dela, e
como seria bom ter nos braços uma nova filhinha. No dia da chegada, a
expectativa atingiu seu grau máximo. A menina andava para lá e para cá no
pequeno apartamento. No clímax da expectativa, foi aos brinquedos e pegou
Tonico. Olhando-o com desprezo, descartou o rejeitado na lata de lixo. Tempos
depois chegaram os tios com o esperado presente. Entregaram o magnífico pacote
em papel brilhante, que, ao ser visto iluminou o rosto de Vânia. Porém, depois
de aberto e olhado rapidamente, seu conteúdo, ainda na caixa transparente, foi
abandonado sobre o sofá. Seu rosto murchou, a decepção tomou conta dela, que,
largando a boneca branca japonesa, com seu quimono vermelho, daquele tipo de
enfeitar a casa, chorando voltou ao lixo para buscar seu amado Tonico.
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