TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO
Os rituais e o tempo
Mara Narciso
A pessoa deverá se apresentar ao natural, do jeito que é. Foi o que sugeriram num vídeo no Dia dos Namorados. Afinal, como é que aquele alguém seria, verdadeiramente, caso não investisse tempo e dinheiro com cuidados ritualísticos para melhorar sua aparência? Afinal quem quer parecer pior do que “realmente” é? Como seríamos todos sem esses ditames sociais e de higiene, impostos cada dia mais e mais? Ao natural, como seriam o seu verdadeiro odor e a sua verdadeira cara?
No tal vídeo, uma mulher jovem e obesa, espera alguém conhecido numa rede social para o primeiro encontro. Está visivelmente mega-produzida, com peruca loira e longa, maquiagem pesada e nos três minutos do vídeo mostraa-se incomodada dentro da roupa. De repente, decide ir ao toalete e tirar tudo. Arranca peruca, cinta massacrante, fitas adesivas na nuca e nas coxas, lava o rosto, deixa à mostra os cabelos naturais, também loiros e longos e senta-se no mesmo lugar de antes, um tamborete alto no balcão do bar. O moço chegante a avalia com jeito amistoso e natural, e, ao terminar de olhá-la, oferece-lhe flores.
Consideremos uma mulher madura que nunca tenha feito dieta, ginástica, plástica, tratamentos de pele, depilação, cuidados dentários, tintura de cabelo, maquiagem e outros benefícios da chamada civilização. Certamente, não conseguirá concorrer com alguém que vá além da questão higiênica dos costumes. É assustador imaginar o natural dos árduos tempos sem sabonete, papel higiênico, pasta de dente e desodorante. Em cima dos cuidados de uma mulher que se mostre bem-tratada, bem cuidada, com elevada autoconfiança e excelentes níveis de amor-próprio, pode-se imaginar o tempo e o dinheiro gastos com todos os rituais de cuidados higiênico-dietético-estético-filosóficos. Talvez, mais da metade do tempo que tenha dormido no período.
Todos os setores experimentaram crise diante da confirmada recessão, dois PIB negativos em sequência, porém, o setor de beleza não recuou. Comida e cosméticos avançam com mínima restrição de qualidade e quantidade. Todos querem se apresentar bem, e se der, melhores do que realmente são. Quando a pessoa está solta, sentada e totalmente largada e chega uma equipe de TV para filmar o evento, poucos não se aprumarão na cadeira.
Muitos que vão fazer a cirurgia de redução do estômago afirmam categóricos que não serão submetidos ao tratamento cirúrgico da obesidade por vaidade. Discordo. O motivo mais importante é a volta da aceitação social, em seguida virão as questões de saúde. E nem venham me negar isso.
Os rituais nos escravizam e nos tomam tempo e dinheiro. Uma tinta comum de cabelo com revelador custa 50,00 reais. O tempo gasto para preparar, pintar e o produto agir, além das duas lavações necessárias, antes e depois, chega a quase duas horas. Isso sem a escova, que, caso seja feita, gastará pelo menos, mais meia hora. Assim, em vinte anos, contando-se apenas o tempo investido no tingimento a cada 20 dias, um intervalo habitual, serão 360 vezes e 720 horas. Também pelo trabalho, algumas pessoas desistem, deixando os cabelos grisalhos, com a justificativa de querer “envelhecer com dignidade”. Segundo alguns, os cabelos brancos dão um tom futurista à pessoa (mulheres na berlinda), pois algumas personagens da ficção, assim como várias mulheres da política adotaram o estilo. Outros dizem que a mulher que não pinta os cabelos aparenta dez anos a mais, além de que a visão da sua imagem sugere ter entregado os pontos. Isso é preconceito contra as mulheres? Sim, e assumidíssimo. Por isso que se diz que atitude não é pintar os cabelos, e sim, não os pintar.
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