quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TEXTO do HAMÍLTON: PAPO de ESQUINA

TEXTO  do HAMÍLTON


Papo de Esquina

As esquinas estão ai, para que se vire a rua, saídos da rua anterior. E assim se vai de esquina em esquina, que formam os quarteirões. Em Brasília, Distrito Federal, não se acham as esquinas, da infância e dos dias de hoje, de gente mais velha. Como as esquinas das cidades pequenas e da maioria das cidades. A esquina virou referência. Rua tal esquina com rua tal. Ou rua tal perto da esquina com rua tal. Estamos nos distanciando e perdendo as referências das esquinas ou daquela esquina, do famoso boteco, onde a turma se reunia, sempre, para a pinguinha, a cerveja gelada, o caldo de cana e os tira-gostos da hora. Porque feitos na hora. O pessoal chegava, pedia e, dai a pouco, a turma degustava o prato de sabor curraleiro, ao tempero de pimentas ou malaguetas ou verdinhas ou mesmo das conservas, curtidas, com cheiro e ardor de se lamber os beiços. E papo vai papo vem, as amizades cresciam. A turma se enturmava mais e mais. Uma família constituída de amigos, onde todos eram um e o um eram todos. Ninguém tinha hora de chegar e de sair. Costumeiramente, se chegavam todos, na mesma hora, no final do dia, antes da noite. Saídos das funções e do trabalho. Ali se contavam os casos, se formavam times, se sabia de tudo, num jornal, ao vivo, da convivência fraterna. As mulheres e os filhos e os parentes já tinham a esquina do encontro, como o lugar onde se achavam todos, maridos, pais, conhecidos e amigos, na hora da precisão ou de se chamar para casa. O que somente acontecia com os que bebiam, um pouco mais, e se fartavam de pinguços, sem exageros e sem escarcéus. Um foguinho, e se perdia a hora. O importante desse tempos e dessas esquinas, era o sentimento de confraternização e de amizade. Amor mesmo. Muitas vezes mais que de irmão. Também pelo religioso e inarredável compromisso de estar alí, no boteco da esquina. Fico, hoje, a pensar como seria bom resgatarmos as esquinas. Talvez não mais para sentarmos despreocupados e descompromissados, sem os medos. Talvez, sem a esquina mesmo, mas criarmos espaços de referências, para sabermos uns dos outros. Muitas vezes, fico a pensar que a esquina de antes, deu lugar ao velório de hoje. Que acontece em espaços velório, construídos para isso. Pois é ali, que a maioria se encontra, para o adeus ao amigo, que de muito não se via, pela falta da esquina do encontro diário. O que é fato. Pela distância das moradias, uma das outras, o que inviabiliza a reunião e o encontro dos amigos, vivos. Não sei como reconstruir toda essa magia das esquinas e dos botecos das esquinas, daquela esquina. Há lampejos ainda. Montes Claros ainda os tem. Mas muito poucos. Não mais às tardezinhas. E nem mais com os amigos, de todas as horas. Homem de botecos, como eu, mesmo e muitas vezes, tomando minha água de côco, sinto falta. Cadê o boteco da esquina? Cadê os amigos, de todas as horas. Cadê os tira-gostos da amizade, verdadeira. Saudades do bate-papo da esquina.

Hamilton Trindade - educador e professor

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