ARISTÔNIO CANELA (Foto: Márcia Vieira Yellow) |
- LOUCURA -
* ARISTÔNIO CANELA
A primavera na minha terra não se prima pelo explodir amarelo dos
ipês, na alegria vermelha dos flamboyants, nos requebros das
maria-vagabundas ou ainda nos cachos pomposos das bouganvilles, deitados
com languidez sobre a porteira do meu quintal. Bem assim poderia ser
nos dando aos olhos tamanho espetáculo.
Ao abrir as três janelas da sala pude, em assobios, primores da
infância, chamar o vento para o assopramento acalmador. Depois, de peito
nu e pés descalços, acomodei-me na espreguiçadeira, após ligar a
televisão. A rua, aquietada pela hora, não se zunia na faina dos
motores. O casal bonito de âncoras acabava de anunciar a presença do
maior estudioso em loucura do mundo para uma entrevista. Pediram alguns
segundos de paciência e venderam patrocínio milionário. A preliminar
consistente se fez objetiva e a câmera, num movimento mágico, enquadrou a
sumidade. Terno bem talhado, postura soberba, olhar de segurança sem
igual por detrás de uns óculos modernos, desenhadores do verde
esperançoso de suas íris, a voz do professor, compassada e melíflua,
explodiu hipnótica "A palavra loucura só existe no português e espanhol.
De origem obscura, provavelmente advém do árabe LAUQA, significando
atitudes tolas, tontas, bobas e inconvenientes. Essa patologia, às
vistas de estatísticas sérias, calcadas no maior rigor científico, dão
conta de que hoje cruza as fronteiras da epidemia. Isso nos levou a
todos nós, guardiões da sanidade, ao alerta máximo, culminando numa
descoberta espetacular. Conseguimos, após intenso trabalho, isolar a
causa magna da loucura. Trata-se de um elemento extremamente nocivo
chamado FELICIDADE. Meus amigos, não existe louco INFELIZ. Alguns
sintomas foram classificados como patognomônicos: o sorriso frouxo, sem
causa aparente; o cantarolar desafinado acompanhado do chutar de latas, o
assobio descomprometido, principalmente se, com as mãos nos bolsos, os
trejeitos de caras, bocas e olhos à frente do espelho e o falar sozinho
constituem sinais ou sintomas próprios da doença em estado avançado.
Devo, entretanto, não me por de alarmista. A ciência, mais uma vez,
soberaneia quando anuncio, em primeira mão, por esse canal de extrema
audiência, a mais nova droga sintetizada por um conjunto de laboratórios
com efeito arrasador sobre a doença. Trata-se da INFELICITI MORBIDAS.
Atua diretamente na composição da felicidade, destruindo-a e
inviabilizando qualquer possibilidade de loucura. Além de podermos
encontrar o novo remédio nas melhores farmácias do país com o nome
fantasia de ZUMBIS, tanto por via oral, venosa ou retal; foi criado um
aplicativo e você poderá receber pelo celular sua dose necessária,
através de uma musiquinha de ondas curtíssimas engalfinhadoras do seu
cérebro. Para terminar, saliento a ausência de efeitos colaterais.
Apenas uma pequena manifestação, tão insignificante, a não constar nem
mesmo nas bulas: O ASSASSINATO DA ARTE.
A câmera, neste momento, gira cento e oitenta graus, mostrando a
beleza do estúdio e depois volta aos âncoras: "Senhores e Senhoras,
tenham uma boa noite!"
Fiquei ainda um tempo deixando a madrugada segurar meu queixo
caído e aquele vento miúdo atendeu ao meu chamado, borrifando-me com o
seu soprar. Uma voz estridente gritava em minha cabeça: A LOUCURA
MORREU?!
Por via das dúvidas, debaixo daquele céu de lua baça, levantei-me num pulo e plantei um pé no meu jardim.
Parabéns para o Dr. Atistonio,hoje aniversário dele. Felicidades muita saúde.tenho um carinho enorme por ele.
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