Que merda é essa, Raphael?
Por Márcia Vieira Yellow
"Merda" é
uma expressão usada entre artistas para desejar sorte. Pra mim, merda é merda
mesmo. Falo merda, quando quero dizer “que ódio”, “que raiva”, “que chatice”, “que
tristeza”, “isso não deveria ser assim!”.
Que merda, Raphael!
Merda, merda, merda! Não foi o domingo que planejei. De quem foi esta ideia de
estragar meus planos? Foi sua, Jesus? Se foi, desculpe, mas não concordo.
Ultimamente o senhor tem tido ideias mirabolantes com as quais não concordo. E
o senhor nem quer saber, né? Vai colocando em prática sem consultar ninguém,
sem pedir licença ou palpite, sem sequer avisar. Quem foi que falou pro senhor
que era hora do Raphael sair da nossa cena pra entrar na sua? Duvido que na sua
peça ele tenha papel principal, afinal, o senhor está aí com um elenco de peso.
Aos poucos, como quem nada quer, vai convidando, retirando, usurpando de nós o
direito de ter um elenco tão grandioso como o seu. Ao menos dê a ele o papel de
protagonista, porque aqui, no nosso palco, ele era o ator principal, eloqüente.
Mas era também o roteirista, que escrevia e rebuscava as histórias com memória
privilegiada e fértil. Em alguns casos, misturava ficção pra tornar a realidade
mais bonita, menos morta, ora sombria e misteriosa, mas sempre mais viva e
rica. Era de todos, era do mundo, mas era muito nosso: meu, de Paulinho, de
Miguel e de Aristônio, o grupo oficial do "Papo Filosófico", que
incluía ainda o Frank e o Danilo, ocasionalmente.
É uma merda mesmo,
Rafa. Sair assim, sem avisar, sem nos dar tempo de preparar a sua despedida do
teatro da vida com a pompa que você merecia. Jesus convidou e você, mais do que
depressa , aceitou o convite. Deve ter se entusiasmado com a possibilidade de
estar do outro lado, neste outro mundo por onde você, mesmo fisicamente aqui,
já deslizava com habilidade.
Tá certo. Também acho
que o palco daí é melhor do que o de cá. Não o culpo por querer ir. Entretanto,
nós ficamos, e vamos ter que esperar o próximo bonde. Enquanto isso, vamos tentar
levar os dias por aqui, mas sem essa sua capacidade extraordinária de
justificar a vida, a personalidade, a razão, a emoção.
Sabendo que sou
"emocional, toda coração", pra usar uma definição cunhada por você
mesmo, imagino que deva ter pedido pra me pouparem do aviso o máximo de tempo
possível. Foi como você quis, mas
destruiu todo o meu plano de domingo.
Sem sono, inquieta e
triste, atualizei o blog com dois posts e separei na internet o filme que
acompanharia as fotos do domingo, mais um capítulo do nosso tradicional
"Papo Filosófico". Você seria o “Forrest Gump, o Contador de
Histórias”. Fui dormir às cinco da manhã. E só agora sei o porque do mal estar
e da insônia. Naquela hora você já não estava entre nós, mas eu não sabia
oficialmente. Planejei dormir até esgotar o sono, acordar, almoçar e me sentar
ao computador pra tratar das coisinhas que tanto gosto. Era dia de receber o
texto da Mara e postar o seu, sobre loucura. Dia também de ler com calma o seu
último email, enviado ontem. Depois, postar o trabalho que começamos a fazer em conjunto
"Pelas Ruas de Montes Claros", com seus textos dando vida às minhas
fotos da memória de Montes Claros.
De
fato, acordei tarde.
Antes de ligar o computador havia, no telefone, chamadas que eu deveria
retornar. E retornando, fui surpreendida com a notícia de sua saída.
"Que
merda!", pensei. Não poderia ser verdade. O segundo telefonema
confirmou:
"é verdade!". E eu, que busco a verdade a todo custo, detestei esta
que me contaram. Tentei buscar alguém que você gostava muito e que
poderia
dizer as mais belas palavras neste seu último ato: o Antônio Dias. Mas
ele não estava na cidade, e se entristeceu ao saber da sua saída
repentina. Tenho que lhe
dizer que, você, sempre um gentleman, desta vez faltou com os bons
modos: não
pediu licença pra se retirar. Acho
que não queria ver os seus amigos "sensoriais" chorando.
Desobedeci à razão (você
mesmo sempre me dizia que só vejo e sinto o mundo pelo coração), que insistia
em me apontar o relógio e dizer: "ele já se foi". Por acaso, pensou
que poderia ir embora sem se despedir de mim? Enganou-se. Corri. Quase não
chego a tempo de ver as flores que jogavam sobre você. Mas me aquietei quando a
Dóris, sempre doce e reconfortante, de pé à porta da sua nova casa, disse que
pouco antes, o Téo cantara pra embalar o seu sono. Você nos deixou ao som de
uma melodia, que não sei qual é, mas era uma melodia. Você nos deixou, e nós, da
plateia, o aplaudimos de pé. Menos mal, por assim dizer. Mas ainda é um mal. Que
merda, Rafa!
Você tinha mesmo que ir? Ninguém
domina a cena como você. Volta, Forrest, volta! Você não terminou de contar as
histórias!
Raphael Reis tinha uma admirável facilidade em dar colorido ao trivial, numa sequência acelerada de ideias. Conseguia dar glamour naquilo que escrevia, de forma natural, sem esforço. Descanse em paz, Raphael!
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