Quando
a lei aborrece para além do razoável/ Mara Narciso
Sob
a justificativa de preservar a saúde de quem frequenta um consultório médico,
as normas da Vigilância Sanitária criam um clima de terror, com visitas
surpresa e má vontade, quando não, aparente perseguição. Com a crise hídrica,
banheiros públicos fétidos, higiene precária e comidas causando vômito e
diarreia, os fiscais se aferram em detalhes inúteis onde não está acontecendo
nada anormal. Não desconheço que a prevenção seja o melhor remédio.
O
meu consultório de Endocrinologia atende, em sua maioria, casos de obesidade,
diabetes e problemas de tireoide, portanto, doenças não contagiosas. Lá não é
feito nenhum procedimento que não seja a consulta clínica. Ainda assim, demorei
um ano para atender às inacreditáveis solicitações, pois as leis e exigências
sofrem acréscimos a cada semestre.
O
prédio está em uso há mais de 20 anos. O projeto arquitetônico foi aprovado
pela Prefeitura na época da instalação. A Vigilância Sanitária solicitou nova
aprovação do projeto. O arquiteto fez a visita, pegou a planta aprovada, viu
que não tinha nenhuma modificação, tirou uma cópia, e paguei R$155,81 para a
Prefeitura. Custo da “nova planta”? R$500,00 para o arquiteto, além de R$81,53
do CREA - Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Total gasto por um
capricho inútil: R$737,34. O ar condicionado comprado seis meses antes, quase
virgem, recebeu a ordem para ser aberto e “limpo”. Resultado: não mais resfria
como antes. Foi feito o pagamento de R$120,00. Estes foram os itens que mais me
irritaram.
O
INMETRO recebeu R$99,36 para aferir a balança comum, graduada a cada 100 g,
aferida há 12 meses. A troca anual do carvão ativado do filtro foi R$140,00.
Separada há 11 anos, tive de pagar R$22,74 para atualizar meu sobrenome no
cadastro municipal, item não existente nos anos anteriores, mas já grafado
atualizado por diversos anos. Também paguei R$23,07 ao cartório por algo que
levou o nome de “Certidão de Inteiro Teor”, mais o novo Alvará Sanitário de R$341,70.
A
mesa de exame deve ser coberta por papel descartável ou lençol, trocado a cada
uso, e explicitado o modo como é lavado. Desde a construção do edifício havia
um ralo sem tampa. Foi cobrada a troca desse ralo por outro tampado. Eram
guardados no armário sob a pia, produtos de limpeza de um lado e café, açúcar e
copos descartáveis do outro. Foi preciso separar os materiais, que não se
tocavam, em dois armários distintos.
A
secretária não pode ter acesso à ficha nem aos exames do paciente. Também está
vetada de fazer qualquer pergunta referente ao motivo da visita. A cada seis
meses a caixa d’água do prédio é higienizada, o Corpo de Bombeiros faz vistoria
e também ocorre a dedetização. É preciso elaborar relatório explicitando como
se faz a limpeza dos móveis, do chão e do banheiro, com detalhes de materiais,
vestimenta, luva, bota e horário. A coleta do lixo, mesmo que só de papel e
copo descartável, é um ritual digno de uma guerra.
A
outra guerra são os remédios amostra grátis. Precisam estar num armário fechado
à chave, e a secretária não pode ter acesso a eles. Não se podem juntar
comprimidos de duas caixas de origem, e quando vencem devem ser descartados por
empresa especializada contratada. É necessária uma lista com o nome, lote e
tempo de validade. Quantos médicos tomam conta pessoalmente das suas amostras,
quando muitas consultas não demoram quinze minutos?
Os
intermináveis tributos cobrados, antigos e novos, fazem a soma elevar-se ao
impossível, coisa de arrecadação predatória. Sem falar nas cobranças de ISS –
Imposto Sobre Serviço, CRM – Conselho Regional de Medicina, Sindicato,
Associações e demais taxas pessoais. Quem paga uma consulta médica e acha um
absurdo - e é mesmo- precisa conhecer os aborrecimentos e os custos de um
alvará de funcionamento, sem contar o ar de polícia que os fiscais adquirem.
Alguns são arrogantes (alguns profissionais também são), e já teve conversa que
acabou na delegacia. Médico precisa trabalhar e o dinheiro que entra, não entra
fácil, embora pareça que sim.
4
de fevereiro de 2018
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