TEXTO CONVIDADO: MARA NARCISO
Uma
luneta para o céu
Mara Narciso
Tenho
acompanhado o trabalho dos fotógrafos Manoel Freitas e Eduardo Gomes e a
particularidade de fotografarem a Lua em todas as suas fases e esplendor,
colocando horizonte, montanhas e vegetação tornam mais belas suas produções.
Isso me fez recordar de uma luneta que pertencia ao meu Tio Tom, Petronilho
Narciso Júnior. Meu avô o presenteou, e eu, fã desse tio criativo e cheio de
imaginação, seis anos mais velho do que eu, ficava encantada, pedindo-o para
dar uma espiada no mundo através das lentes da sua luneta.
Era
um canudo branco, com um anel preto na parte de trás, que a fechava. Na parte
da frente ficava o lugar de se colocar o olho. A imagem nos aproximava de tudo.
Era mágico e eu ficava louquinha, ainda que mal alcançasse o visor sobre o
tripé. A casa dos meus avós era na Rua Carlos Pereira, 61, no centro da cidade,
perto da Catedral. Bem em frente tinha um poste de luz. Sobre o passeio, Tio
Tom colocava a luneta, apontava para algo que lhe despertasse curiosidade e
fazia o foco. Quando já estava no ponto deixava a gente ver. Numa emoção em
estado puro, eu era capaz de ficar horas envolvida nesse gostoso lazer,
desvendando os mistérios daquilo que não era visto a olho nu, mas que, através
das lentes mostrava todos os detalhes.
Debaixo
do sol forte, Tio Tom escolhia uma direção e palmilhava o espaço, buscando algo
interessante. Éramos crianças e nem imaginávamos em bisbilhotar os vizinhos.
Naquele tempo quase não tinha prédios em Montes Claros. A intenção era apenas
ver de perto algo que estivesse distante, coisas e pessoas na rua. Como a
cidade tem vários morros, o horizonte não é tão longe e mirávamos para cima
dessas elevações.
A
bela Catedral de Nossa Senhora Aparecida, construída entre 1926 e 1950, une os
estilos romântico e gótico, cabe 3.000 fieis e tem três torres, sendo a central
de 65 metros. No topo dela tem um crucifixo de estrutura metálica, de quatro
faces, de vidros azuis e amarelos como vitrais iluminados e, faltava um deles,
tinha também raios metálicos irradiando do centro. Sem o aumento, nunca
poderíamos imaginar tal detalhamento. Ganhávamos horas de prazer olhando a
torre da igreja, seu grandioso telhado, janelas e vitrais.
O
tempo era diferente, passava mais devagar. Meu Tio Tom era bom e tinha
paciência comigo e com a minha curiosidade. Também foi ele quem me ensinou a
andar de bicicleta quando eu tinha sete anos. Ele me emprestou a dele, que era
verde, segurou para eu subir, e me empurrou um pouco. Então soltou e eu saí
pedalando.
À
noitinha nós íamos para a rua, colocávamos a luneta no passeio do outro lado, e
ficávamos esperando pela Lua. Em qualquer fase, observávamos as crateras, que,
sabemos de cor como são. Afinal a Lua só nos mostra um lado, ainda que tenha,
como a Terra movimentos de rotação sobre seu eixo e de translação, seguindo o
planeta em volta do Sol.
Quando
Tio Tom perdeu o interesse pela sua luneta, ela me foi dada de presente e eu a
levei para o apartamento em que morávamos, na Avenida Santos Dumont, perto do
Colégio Marista São José. Da janela do meu quarto, no segundo andar, o mundo se
descortinava numa maravilhosa festa verde. Havia muitos lotes vagos na década
de 1970. Eu tinha 15 anos e Geraldo Macedo, meu colega no Colégio São José foi
meu primeiro namorado. Geraldo jogava futebol no time do Colégio e na
Associação Desportiva Ateneu de Montes Claros. Podia ver o campo do meu quarto,
e a luneta ampliava minha visão. Dava para reconhecer os jogadores no colégio.
No dia de treino eu ficava vendo o jogo, que vinha para pertinho de mim.
Observar o mundo pela luneta era um tratamento contra o tédio. Eu já gostava de
futebol e mais ainda através das lentes, que me levavam para longe, fazendo do
longe perto e do impossível algo real e verdadeiro.
As
pequenas conquistas costumavam demorar muito para chegar, e por isso traziam um
prazer mais durável do que os de hoje, quando tudo é descartado de forma
rápida. Não me recordo da minha luneta ter se quebrado e nem de tê-la dado a
outra pessoa. Não sei que fim levou, mas as imagens que proporcionava
permanecem em mim.
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