O lado bom da vida
Mara Narciso
Estar vivo pode nos parecer uma grande coisa, ainda que quem esteja morto não saiba disso. A vida é boa, mas atravessamos período tão sombrio que passamos a questionar se é vantagem não ter morrido. Passando primeiro pelo lado tétrico, para depois esperar a parte boa, acabamos nos perdendo nos labirintos do mal. Em 2019 andamos uma estrada que em tudo lembra um pesadelo, mas teimamos, obstinadamente, a encontrar o lado bom. A lista de mazelas está interminável. Os desastres deflagrados pelo homem machucam natureza e consciências. Não são fenômenos naturais e sim fruto do descaso com o outro, lema dos tempos atuais. O medo do que está por vir paralisa. Melhor não pensar nele, porém, evitando a negligência e a omissão.
O que nos salva são os inspirados poetas, a música como linguagem universal, a literatura, as boas ações. Elas ainda existem, e partem de pessoas desprovidas de egoísmo, imersas em empatia. Outras são más e povoam o mundo. Bem fariam se não ferissem. Mas ferem e trombeteiam o feito, cobertas de uma falsa razão.
Uma legião condena a ideologia política na escola, desde que não seja a ideologia dela, que, na verdade quer impor. Rejeita artistas da música, teatro e cinema, quando eles fazem obras opostas às suas crenças. Parte dos professores incomoda, assim, é preciso desprezá-los, atacá-los com acusações sem provas, coisa que está na moda. Pegam um caso específico e generalizam. Em tempos falsos, a difamação destroi a reputação de alguém, e acabou.
Música, livro, filme, novela que pregasse o que a legião de maus defende nas redes sociais deveria afugentar seguidores, mas a quantidade de desalmados cresce. Há desumanidade nelas. É nojento comemorar a desgraça na vida do oponente. Isso é vileza. O desrespeito reina no mundo virtual e real.
Em nome do combate à corrupção e da criminalidade em geral, discursavam convictos, e agora aceitam o que antes condenavam. Há acusações que não resistem a um único argumento, por serem posições indefensáveis. A conversa é rasa, superficial, com berros a primeira contrariedade. A intenção na qual poderia ser catada alguma coisa boa desmoronou, e no final o que se vê? Gente tentando apagar incêndio com gasolina, pensando estar acima do bem e do mal.
Condena, por questão de foro íntimo, a Bolsa família, as cotas, o direito ao aborto, o feminismo, grupo LGBT, aquecimento global. Defende que a Terra é plana e não gira em torno do sol, quer armar a população, diz não ter racismo, vacinas fazem mal e fumar faz bem, meninas se vestem de rosa e meninos de azul. É preciso hastear a bandeira, cantar o Hino Nacional e gravar para mostrar ao MEC que a educação melhorou. Mesmo sem merenda, com instalações ruins e professores sem receber. Aprender a cantar o Hino Nacional e ter ideias patrióticas seria bom para se pensar no coletivo. Por imposição tem efeito oposto, ainda que por fora aparente ser certo. Quem doma uma ideia, um pensamento? Os que têm preocupações sociais e buscam oportunidades iguais para todos são “comunistas”, uma paranóia que não serve a ninguém.
O cheque em branco foi dado na eleição. Agora está sendo preenchido. Desagrada a uma pessoa de 65 anos receber R$400,00? Para se aposentar ganhando um Salário Mínimo é preciso contribuir durante 49 anos e ter pelo menos 65 anos de idade. Os títulos de capitalização assustam.
A Rede Globo mostrou pessoas de 80 anos trabalhando no Japão. Nem a genética, nem o tipo de existência é semelhante. A população brasileira precisa vencer a fome, a verminose, esquistossomose, doença de Chagas, baixa escolaridade, falta de oportunidades, discriminação, e caso não morra vinte vezes pelo caminho, precisará trabalhar fichado por todo esse tempo. Quem conseguirá fazer isso? Há profissões nas quais é possível trabalhar até os 65 anos, mas muitas delas não. Quem dará trabalho a uma secretária/recepcionista madura? Como subir num poste de alta tensão com essa idade?
Num país em que a velhice começa aos 40 anos, em termos de emprego, especialmente os que exigem “boa aparência” (não seja feio, velho, gordo, negro, e se sim, saia da fila), é preciso ter menos de 30 anos.
Primeiro mudar a mentalidade, as condições de trabalho e a falta de educação do povo brasileiro, para, pouco a pouco reduzir em gotas o bem estar social incipiente, que faz tão bem nos países adiantados. E não digam que é preciso o bolo crescer para depois distribuí-lo. Nossa história já dura 519 anos.
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