TEXTOCONVIDADO:MARA NARCISO
“Mira
qué bonita eres”
Mara Narciso
Em
sua terceira edição, o Festival Flamenco de Montes Claros mostra um grupo de
bailarinos coesos e a cada dia, mais soltos no palco. Ensaiando caminhar para a
independência, já se arriscam em comportadas ousadias. A dançarina, diretora e
coreógrafa Elisa Pires ousa inovar corajosamente, a cada espetáculo. Depois de
conduzir sua Escola de Dança Pátio Flamenco em Belo Horizonte, onde morou
durante 21 anos, trouxe seu trabalho para Montes Claros em janeiro de 2016.
Cria em 2018 a Companhia Flamenca Del Pátio com as seguintes dançarinas: Ana
Pires, Bella Antunes, Danúbia Silveira, Dany Vasconcelos, Isabella Neves,
Juliana Pires, Marina Guitti, Marta Medeiros, Van Royo e Willyane Albuquerque.
E assim, o nível do espetáculo avança a cada dia.
Em
Montes Claros, Elisa Pires trabalha com sua mãe a pianista Maria Luiza Pires,
duas irmãs Ana Luisa Pires e Juliana Pires, e dois sobrinhos Elisa Melillo e
João Pires. Este último, um protagonista, hoje com 10 anos, desde o começo
mostra que os homens, três nesta apresentação, dançam bem o flamenco.
A
dança tem seu lado feminino, com sorrisos, jogos delicados de braços,
trejeitos, volteios com as mãos, requebros e sensualidade, e o pisar forte do
sapateado. O lado masculino se dá pela firmeza dos gestos dos braços e
cotovelos, a postura em cena, a seriedade máscula, e a força da pisada viril. O
treinamento acontece no transcorrer das aulas, com repetições durante todo o
percurso da criação da coreografia. Qualquer um pode dançar Flamenco, desde
pessoas maduras, até crianças, várias delas em cena neste festival de 2018.
Dançaram bem, leves e soltas, seguras como se estivessem em casa, conquistando
admiração e palmas.
No
Centro Cultural Hermes de Paula, a abertura com nove mulheres em figurino
vermelho gera uma imagem e atuação impactantes e inesquecíveis, e nos 12 bailes
do espetáculo “Mira qué bonita eres” os variados figurinos e coreografias com
acessórios, tais como espelho, sombreiro, xale, castanhola, leque e véu,
amplificam o gestual e tornam a dança mais atraente. Destaco os babados no
punho de uma das roupas, cuja beleza cresceu os movimentos de mão,
especialmente na atuação da menina de dez anos Yara Royo, que, com talento e
habilidade, parece ter nascido no palco, de tão segura que se mostra. Em
Martinete, entre 16 bailarinas, sem desmerecer as demais, salta entre suas
colegas, pela leveza firme e porte de princesa. Em todos os números, certas
bailarinas se destacam pela coragem, graça, beleza física e brilho natural, e
por isso mesmo ocupam a frente e o centro do palco.
Os
palmeiros são recursos importantes no andamento do baile. Temos no canto e
guitarra flamencos Fernando de Marília, nos teclados Maria Luiza Pires, no cajon
e percussão João Paulo Drumond e no sax e flauta Luciano Cândido. Há uma
equilibrada ocupação do espaço, com entradas e saídas criativas, microfone no
chão para valorizar o sapateado em duas horas de show, sem intervalo.
Elisa
Pires dança, canta e traz sua costumeira energia, concretizando as imensidões
que idealiza. Sua aptidão para representar e o uso de todo o palco reafirmam
seu grande talento. Pequena em estatura, em cena se multiplica, sendo este seu
jeito de seduzir o público. Na apresentação solo do ritmo “tientos” usa o
recurso da mantilha, uma espécie de véu sobre o rosto, e, toda de preto,
garante uma dramaticidade incomum. Homenageia a mulher, marcando seus
sofrimentos, que pode ser viuvez, ou orfandade, pois a certa altura grita “papito”.
O drama sugere todas as violências e a capacidade de superação.
No
quesito ousadia, além dos sapateados complexos e ultrarrápidos, acontecem duas
levantadas parciais da saia pelo meio, e, numa provocação, o uso inusitado do
leque para as bailarinas refrescarem as partes baixas.
Todo
o baile é dedicado à mulher, que costuma ser o contraste entre força e
sensibilidade. Incentiva o amor próprio, mostrando-a que deve gostar de si
mesma do jeito que é, valorizando-se e respeitando-se. Os espelhos mostram que
todos podem ser bonitos e felizes praticando a dança de raízes cigana, mourisca
e árabe, do sul da Andaluzia. São quatro noites e cinco apresentações, pois foi
necessário criar uma edição extra para atender ao respeitável público. No mais,
é esquentar os sapatos de bico e salto metálicos e praticar Flamenco. Olé!
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